top of page

O SEGUNDO CÉREBRO: INTESTINO

  • Foto do escritor: Berenice Cunha Wilke
    Berenice Cunha Wilke
  • 24 de set.
  • 4 min de leitura

Intestino & Cérebro: quando a microbiota influencia nossas emoções

Nos últimos anos, a ciência vem mostrando que o intestino não é apenas um órgão digestivo. Ele abriga trilhões de microrganismos — a microbiota intestinal — que participam da digestão, da imunidade e até da produção de substâncias que podem afetar diretamente o cérebro e nossas emoções.


Como a flora intestinal pode afetar o humor?

Experimentos com animais criados em ambientes sem germes e outros expostos a probióticos, antibióticos ou microrganismos nocivos já sugeriam que a microbiota influencia ansiedade, humor, cognição e dor. Hoje, estudos em humanos confirmam essa ligação em doenças neurológicas e psiquiátricas.


Essa comunicação entre intestino e cérebro acontece por diferentes vias:

  • Sistema nervoso: pelo nervo vago, que conecta intestino e cérebro em duas direções.

  • Sistema imunológico: através de citocinas (proteínas que sinalizam inflamação ou proteção).

  • Sistema endócrino: por hormônios como o cortisol, ligados ao estresse.


Neurotransmissores produzidos pelas bactérias

Algumas bactérias do intestino produzem neurotransmissores, substâncias químicas normalmente associadas ao cérebro:

  • Lactobacillus e Bifidobacterium: produzem GABA (relacionado ao relaxamento)

  • Escherichia, Bacillus e Saccharomyces: produzem noradrenalina (vigília e atenção)

  • Candida: pode produzir dopamina (motivação e prazer)

  • Streptococcus, Escherichia e Enterococcus: produzem 5-HTP, precursor da serotonina (bem-estar)

  • Bacillus e Lactobacillus: também produzem acetilcolina (memória e aprendizado)


Ou seja: parte das moléculas que regulam nossas emoções pode vir, literalmente, do intestino.


Mais do que neurotransmissores: outros mensageiros

A revisão publicada na Frontiers in Microbiology amplia essa visão, mostrando que a microbiota também influencia o cérebro através de:

  • Ácidos graxos de cadeia curta (SCFAs) como acetato, propionato e butirato: derivados da fermentação de fibras, modulam inflamação, barreira intestinal e até sinalização cerebral. Muitos estudos tem mostrado os efeitos benéficos do butirato no cérebro. Ele é produzido a partir da fermentação de amido modificado, como por exemplo o encontrado na aveia "overnight".

  • Peptídeos neuroativos: como GLP-1 e PYY, que enviam sinais ao cérebro sobre saciedade e equilíbrio metabólico.

  • Ácidos biliares modificados: alguns chegam ao cérebro e podem influenciar humor.

  • Vitaminas do complexo B: produzidas por bactérias, são cofatores essenciais para o funcionamento dos neurônios.


Intestino permeável, cérebro vulnerável

Quando há desequilíbrio da microbiota e aumento da inflamação, as junções das células intestinais se tornam mais “abertas” (hiperpermeabilidade intestinal). Isso permite a passagem de toxinas e moléculas inflamatórias para o sangue. Estudos sugerem que quando a permeabilidade intestinal está aumentada, um processo semelhante pode ocorrer na barreira que protege o cérebro (barreira hematoencefálica), facilitando a chegada dessas substâncias até o sistema nervoso e afetando emoções e cognição.


O nervo vago: o “fio direto” com o cérebro

O nervo vago é como uma autoestrada de comunicação. Quase 90% de suas fibras levam informações do intestino para o cérebro. Apenas 10% trazem informções do cérebro para o intestino. Isso significa que o intestino “fala” mais com o cérebro do que o contrário.


Sensações como “frio na barriga” ou “nó na garganta” em situações de ansiedade são exemplos claros dessa via.O mais fascinante é que neurotransmissores produzidos pelo microbioma podem estimular o nervo vago, funcionando como “sinais naturais de felicidade”.


O nervo vago transforma sinais químicos e mecânicos do intestino em impulsos elétricos que o cérebro interpreta como emoções ou sensações corporais.


Os neurotransmissores produzidos pela microbiota (como serotonina, GABA, dopamina) podem estimular as terminações nervosas vagais no intestino, funcionando como mensageiros naturais, ativando o nervo vago e influenciando humor, cognição e até comportamento.


O nervo vago também transmite sinais do sistema imune intestinal para o cérebro. Por exemplo, quando há inflamação no intestino, citocinas inflamatórias ativam receptores vagais que avisam o cérebro sobre esse desequilíbrio — muitas vezes levando a fadiga, alteração de apetite e até sintomas emocionais como ansiedade, depressão, agitação, agressividade e insônia.


Estresse, cortisol e o eixo intestino-cérebro

O estresse ativa o eixo HPA (hipotálamo–pituitária–adrenal), liberando cortisol, hormônio que regula humor, energia e inflamação. Alterações nesse eixo estão ligadas à depressão e à ansiedade.O estresse também prejudica a microbiota intestinal, criando um ciclo vicioso: microbiota desequilibrada → mais estresse → mais inflamação.


Conclusão

ree

Cuidar da microbiota intestinal é também cuidar da saúde mental. Uma dieta rica em plantas, de preferência orgânicas - verduras, legumes, frutas, oleaginosas e cereais integrais - que asseguram um aporte de fibras adequado é a base para uma microbiota saudável

Alimentos fermentados, redução dos ultraprocessados e estratégias para reduzir o estresse ajudam a manter o equilíbrio do eixo intestino-cérebro.


A ciência da neuromicrobiologia está apenas começando, mas já mostra algo revolucionário: nossas emoções podem ser moldadas não só pelo que pensamos ou sentimos, mas também pelo que comemos e pelos microrganismos que habitam nosso intestino.




Sou Dra. Berenice Cunha Wilke, médica formada pela UNIFESP em 1981, com residência em Pediatria na UNICAMP. Obtive mestrado e doutorado em Nutrição Humana na Université de Nancy I, França, e sou especialista em Nutrologia pela Associação Médica Brasileira. Também tenho expertise em Medicina Tradicional Chinesa e uma Certificação Internacional em Endocannabinoid Medicine. Lecionei em universidades brasileiras e portuguesas, e atualmente atendo em meu consultório, oferecendo minha vasta experiência em medicina, nutrição e medicina tradicional chinesa aos pacientes.


Para saber mais:



Miri S, Yeo J, Abubaker S, Hammami R.

Front Microbiol. 2023 Jan 17;14:1098412. doi: 10.3389/fmicb.2023.1098412.


Cryan JF, et all.

Physiol Rev. 2019 Oct 1;99(4):1877-2013


Osadchiy V, Martin CR, Mayer EA.

Clin Gastroenterol Hepatol. 2019 Jan;17(2):322-332.


Curr Drug Metab. 2019;20(8):646-655


Socała K, Doboszewska U, Szopa A, Serefko A, Włodarczyk M, Zielińska A, Poleszak E, Fichna J, Wlaź P.

Pharmacol Res. 2021 Oct;172:105840.


Microbiota-Gut-Brain Axis and Epilepsy: A Review on Mechanisms and Potential Therapeutics.Ding M, Lang Y, Shu H, Shao J, Cui L.Front Immunol. 2021 Oct 11;12:742449.

Comentários


bottom of page