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Classe Clostridia aumentada na Microbiota Intestinal: o que isso significa?

  • Foto do escritor: Berenice Cunha Wilke
    Berenice Cunha Wilke
  • 2 de dez.
  • 5 min de leitura

🦠A microbiota intestinal é composta por trilhões de micro-organismos, pertencentes a centenas de espécies diferentes. Entre elas, destaca-se a classe Clostridia, um grupo vasto e diverso de bactérias que podem ser tanto benéficas quanto potencialmente patogênicas, dependendo das espécies predominantes e do equilíbrio geral do ecossistema intestinal.


🔬 1. O que é a classe Clostridia?

A classe Clostridia pertence ao filo Firmicutes, o mesmo que inclui outros gêneros conhecidos, como Lactobacillus e Ruminococcus. Ela compreende centenas de espécies distribuídas em diferentes gêneros, entre eles: Clostridium sensu stricto, Blautia, Butyricicoccus, Anaerostipes, Roseburia e Faecalibacterium.


Essas bactérias são anaeróbias estritas — vivem em ambientes sem oxigênio — e desempenham funções metabólicas cruciais, como a produção de ácidos graxos de cadeia curta (AGCC), especialmente butirato, um dos principais combustíveis das células intestinais (colonócitos).

Gênero / Espécie

Filo

Classe

Ordem

Família

Observações

Faecalibacterium prausnitzii

Firmicutes

Clostridia

Clostridiales

Ruminococcaceae

Produtor de butirato, anti-inflamatório

Roseburia spp.

Firmicutes

Clostridia

Clostridiales

Lachnospiraceae

Produtor de butirato, associado a metabolismo saudável

Butyricicoccus pullicaecorum

Firmicutes

Clostridia

Clostridiales

Clostridiaceae

Também produtor de butirato, considerado comensal

Clostridium difficile (Clostridioides difficile)

Firmicutes

Clostridia

Clostridiales

Peptostreptococcaceae

Patogênico oportunista, produtor de toxinas

Clostridium perfringens / sordellii / tetani

Firmicutes

Clostridia

Clostridiales

Clostridiaceae

Patogênicos clássicos

🔹 Ou seja: a classe Clostridia é muito ampla e heterogênea, incluindo espécies comensais essenciais (como Faecalibacterium e Roseburia) e outras potencialmente nocivas (como Clostridium difficile).


Nos laudos de microbioma, o “aumento da classe Clostridia” pode refletir:

  • Um aumento das boas produtoras de butirato (ótimo sinal), ou

  • Um crescimento das proteolíticas e tóxicas (Clostridium sensu stricto, C. difficile, etc.).


Por isso, a interpretação deve sempre considerar o nível de gênero e espécie, não apenas a classe.


🌿 2. Clostridiums comensais e funções benéficas

Nem todos os Clostridiums são “maus”. De fato, vários membros dessa classe são comensais essenciais que sustentam a saúde intestinal:

  • Faecalibacterium prausnitzii, Roseburia spp., Anaerostipes spp. e Butyricicoccus pullicaecorum são produtores de butirato, com ação anti-inflamatória, antioxidante e regeneradora da mucosa intestinal.

  • Essas bactérias também participam da indução de células T reguladoras (Treg) no intestino, modulando a resposta imunológica e reduzindo reações inflamatórias sistêmicas.

  • Mantêm o pH intestinal levemente ácido, o que inibe patógenos oportunistas.


No entanto, o termo “Clostridium” é amplo e inclui também espécies patogênicas — o que gera confusão em relatórios de microbioma e interpretações clínicas.


⚠️ 3. Quando há aumento excessivo da classe Clostridia

O aumento da classe Clostridia em exames de microbioma nem sempre é ruim, mas precisa ser interpretado no contexto.

Um crescimento excessivo pode ocorrer por:

  • Dieta rica em proteína animal e pobre em fibras (que favorece fermentação proteolítica e produção de metabólitos tóxicos);

  • Uso prévio de antibióticos (que elimina competidores e permite supercrescimento de espécies resistentes);

  • Disbiose pós-infecção intestinal;

  • Baixa presença de Bifidobacterium e Akkermansia, que são espécies equilibradoras da mucosa;

  • Uso de inibidores de ácido gástrico (IBPs), que alteram o pH e favorecem sobrevivência de esporulados.


Quando isso ocorre, podem aparecer sintomas como distensão abdominal, flatulência com odor forte, constipação alternada com diarreia, fadiga e inflamação intestinal crônica.


🧫 4. Clostridium difficile — o patogênico mais conhecido

O gênero Clostridium sensu stricto inclui espécies patogênicas, sendo a mais conhecida o Clostridioides difficile (antigo Clostridium difficile).

Esse micro-organismo pode proliferar após uso prolongado de antibióticos, especialmente quinolonas, cefalosporinas e clindamicina. Ele produz toxinas A e B, que causam inflamação intensa e destruição da mucosa intestinal, resultando em diarreia, febre e colite pseudomembranosa.


Nos últimos anos, observou-se o aumento de cepas mais resistentes e virulentas, o que torna o manejo clínico um desafio.O tratamento inclui suspensão do antibiótico causal, uso de fidaxomicina ou vancomicina oral, e, em casos recorrentes, transplante de microbiota fecal (TMF).


Mas é importante lembrar: nem toda presença de Clostridium difficile em exames de microbioma indica doença ativa — ele pode estar em estado de colonização, sem produção de toxinas.


⚖️ 5. O equilíbrio: Clostridia boas x más


O intestino saudável abriga uma proporção equilibrada entre Firmicutes (incluindo Clostridia) e Bacteroidetes. A diversidade dentro da classe Clostridia é o que realmente importa — não o número absoluto.


🔹 Clostridia “boas” → Faecalibacterium, Roseburia, Butyricicoccus 🔹Clostridia potencialmente nocivas → Clostridium perfringens, C. sordellii, C. difficile


Quando há perda das espécies benéficas e predomínio das proteolíticas, o metabolismo intestinal muda:

  • aumenta a produção de amônia, indóis e aminas biogênicas,

  • reduz a formação de butirato e propionato,

  • e compromete a integridade da barreira intestinal, favorecendo inflamação sistêmica e disfunções metabólicas.

🥦 6. Estratégias para modular o excesso de Clostridia

A restauração da microbiota não depende apenas de probióticos, mas de alimentos que alimentam as boas cepas. Algumas estratégias com evidência científica:

  • Fibras prebióticas: inulina, FOS, polidextrose e goma acácia estimulam Bifidobacterium e Akkermansia, que competem com Clostridium sensu stricto.

  • Polifenóis: romã, jabuticaba, uva roxa, cacau, chá verde e frutas vermelhas aumentam Faecalibacterium e reduzem cepas proteolíticas.

  • Amido resistente: banana verde, feijão bem cozido e arroz resfriado aumentam Roseburia e Butyricicoccus.

  • Fermentados naturais (kefir, chucrute, kombucha artesanal) contribuem para recolonização e aumento da diversidade.

  • Evitar excesso de proteína animal e processados ricos em gordura saturada reduz a fermentação putrefativa.



Quando o exame mostra aumento de Clostridia, o objetivo não é “eliminar”, mas re-equilibrar o ecossistema intestinal, estimulando os grupos produtores de butirato e limitando os que produzem toxinas.


🧠 7. Relações com doenças sistêmicas

Estudos recentes têm associado o desequilíbrio da classe Clostridia a múltiplas condições:

  • Síndrome do intestino irritável (SII) e colite ulcerativa

  • Obesidade e resistência à insulina, devido à alteração na fermentação e endotoxemia

  • Doenças neuropsiquiátricas (autismo, depressão), via produção de metabólitos neuroativos (p-cresol, fenol, amônia)

  • Doenças hepáticas (esteatose, NASH), pela translocação bacteriana e ativação de vias inflamatórias (TLR4/NF-κB)


Essas associações não significam causalidade direta, mas reforçam o papel central do microbioma no eixo intestino–cérebro–imunidade.

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Sou Dra. Berenice Cunha Wilke, médica formada pela UNIFESP em 1981, com residência em Pediatria na UNICAMP. Obtive mestrado e doutorado em Nutrição Humana na Université de Nancy I, França, e sou especialista em Nutrologia pela Associação Médica Brasileira. Também tenho expertise em Medicina Tradicional Chinesa e uma Certificação Internacional em Endocannabinoid Medicine. Lecionei em universidades brasileiras e portuguesas, e atualmente atendo em meu consultório, oferecendo minha vasta experiência em medicina, nutrição e medicina tradicional chinesa aos pacientes.


📚Para saber mais:

  1. Louis P, Flint HJ. Formation of propionate and butyrate by the human colonic microbiota. Environ Microbiol. 2017.

  2. Buffie CG et al. Functional restoration of the microbiota protects against Clostridium difficile infection. Nature. 2015.

  3. Geirnaert A et al. Butyricicoccus pullicaecorum improves intestinal barrier and reduces inflammation in colitis models. Gut Microbes. 2020.

  4. Allegretti JR et al. Recurrent Clostridioides difficile infection and the role of microbiome restoration. Curr Opin Gastroenterol. 2021.

  5. Sakamoto M et al. Intestinibacter bartlettii gen. nov., sp. nov. isolated from human feces. Int J Syst Evol Microbiol. 2013.

  6. Ricaboni D et al. Clostridium celatum and Clostridium lentum: rare human intestinal isolates and potential significance. Anaerobe. 2020.

  7. Gerritsen J et al. Romboutsia hominis sp. nov. and Romboutsia ilealis sp. nov.: representatives of a novel genus within the family Peptostreptococcaceae. Int J Syst Evol Microbiol. 2017.

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