Síndrome Lamb-Shaffer (LAMSHF)
- Berenice Cunha Wilke
- há 2 horas
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Síndrome Lamb-Shaffer (LAMSHF): o que sabemos hoje e para onde a pesquisa está caminhando
A Síndrome Lamb-Shaffer (LAMSHF) é uma condição genética rara do neurodesenvolvimento, causada por alterações heterozigóticas no gene SOX5, um fator de transcrição essencial na neurogênese — o processo em que neurônios se formam, amadurecem, se organizam e constroem circuitos funcionais no cérebro. Esse gene atua “ensinando” células precursoras a se diferenciarem nos tipos adequados de neurônios e em coordenação com outros genes reguladores de destino celular. Por isso, quando existe perda parcial de função do SOX5, efeitos são esperados especialmente em linguagem, coordenação motora, processamento cognitivo, habilidades adaptativas e algumas características fenotípicas faciais.
Até o momento, existem pouco mais de 550 indivíduos diagnosticados no mundo. Esse número é pequeno, mas não representa a prevalência real — representa apenas quem teve acesso ao diagnóstico. À medida que o sequenciamento genético se torna mais acessível e mais médicos de diferentes países passam a solicitar Exoma em crianças com atraso do desenvolvimento, é altamente provável que vejamos um aumento significativo de diagnósticos, especialmente nos próximos 5–10 anos.
Um diagnóstico genético que responde perguntas — mas também abre outras
A confirmação do diagnóstico é feita principalmente pelo Exoma (WES – Whole Exome Sequencing), que sequencia todos os exons dos genes codificadores. Como a maioria das variantes em SOX5 são heterozigóticas e de perda de função, basta uma cópia alterada do gene para reduzir o nível funcional da proteína e impactar o desenvolvimento. É isso que chamamos de haploinsuficiência. Ou seja: apenas uma cópia não permite a produção adequada da proteína necessária para o desenvolvimento cerebral.
A partir daí, as manifestações clínicas podem variar bastante — mesmo em pessoas com a mesma variante. Isso é muito importante para as famílias entenderem: não existe um “modelo único” de LAMSHF.
Existem crianças com atraso mais leve.Existem outras com atraso mais evidente.Existem algumas com fenótipo mais dismórfico.E outras praticamente sem dismorfismos.
Essa variabilidade é uma característica consistente da síndrome. Estudos recentes sugerem que fatores genéticos adicionais ou epigenéticos — que ainda não conhecemos — modulam intensidade e penetrância dos sintomas. Por isso não existem ainda correlações genótipo-fenótipo estáveis em SOX5.
Principais características clínicas
As manifestações mais frequentes são:
Atraso de linguagem (muito frequente)
Atraso do desenvolvimento motor
Déficit intelectual leve a moderado
Alterações cognitivas específicas (atenção, processamento, adaptação)
Alguns indivíduos apresentam traços autísticos, estereotipias, comportamentos ritualísticos ou padrões repetitivos. Não porque “há autismo dentro da síndrome”, mas porque tanto o autismo quanto o LAMSHF podem compartilhar vias neurais alteradas — especificamente as que envolvem maturação cortical e integração sensório-motora.
Convulsões podem ocorrer, mas são menos frequentes e, quando presentes, em geral respondem bem a tratamento antiepiléptico e costumam ter curso benigno.
Dismorfismos e aspectos físicos
Algumas crianças e adultos apresentam elementos físicos marcantes, como:
Estrabismo
Fissuras palpebrais inclinadas para baixo
Lábio superior fino
Boca entreaberta
Queixo mais pontiagudo
Orelhas implantadas mais para baixo ou rotadas posteriormente
Ponte nasal baixa
Protuberância frontal discreta
A presença desses achados não é obrigatória — mas ajuda alguns clínicos experientes a suspeitar de padrão sindrômico.
Outras manifestações possíveis
Também podem ocorrer:
Constipação
Hipotonia
Dificuldade de equilíbrio
Falta de jeito motor fino
Escoliose
Fusão de vértebras cervicais (em alguns casos)
Isso reforça que o fenótipo do LAMSHF é predominantemente neurodesenvolvimento + motricidade + linguagem, com alguns aspectos somáticos secundários.
Aspectos genéticos
As variantes patogênicas germinativas do SOX5 já estão presentes desde a formação do zigoto, não são decorrentes de um evento adquirido pós-concepção. As variantes germinativas SOX5 identificadas até o momento são consideradas eventos esporádicos de replicação, sem associação conhecida com fatores ambientais maternos.
Variabilidade fenotípica e moduladores ainda desconhecidos
A ausência de correlações genótipo-fenótipo consistentes em SOX5, aliada ao fato de indivíduos não aparentados com a mesma variante apresentarem gravidades clínicas diferentes, sugere que existam fatores moduladores ainda não identificados — genéticos, epigenéticos ou de regulação pós-transcricional — que influenciam a penetrância e a intensidade do fenótipo. Em outras palavras, há elementos adicionais além da variante primária que provavelmente contribuem para o grau de comprometimento observado em cada criança.
Mosaicismo parental
Em aproximadamente 14% das famílias descritas, identifica-se mosaicismo parental — quando a variante está presente em parte das células de um dos genitores.Esse cenário pode modificar o risco de recorrência entre gestações e exige orientação genética personalizada.
A pergunta que toda família faz: existe tratamento?
Até novembro de 2025 — ainda não existe terapia modificadora da doença. Hoje, o tratamento é essencialmente:
• intervenção precoce• fonoaudiologia• terapia ocupacional• fisioterapia motora• apoio comportamental individualizado• manejo de sintomas associados.
Mas o panorama de pesquisa está mudando.
O futuro terapêutico em construção
Existem três mega-áreas emergentes que se conectam diretamente com doenças monogênicas como LAMSHF:
Reposicionamento racional de medicamentos - usando organoides cerebrais humanos para testar drogas já aprovadas para outras doenças. Ainda não existem estudos em LAMSHF.
Células-tronco / organoides corticais - já existem organoides para Rett, Angelman, FOXG1 e SHANK3. Como SOX5 se encaixa mecanisticamente no mesmo eixo (corticogênese / interneurônios) o primeiro passo para LAMSHF será criar o organoide SOX5 humano para triagem.
CRISPR / edição genética - SOX5 é um excelente candidato teórico porque é haploinsuficiente. Os estudos, em outras doenças de haploinsuficiência, tem conseguido potencializar a ação da cópia boa usando tecnologias como CRISPR-a (ativação de alelo saudável), base-editing e prime-editing que são também perfeitamente aplicáveis à lógica da LAMSHF.
O próximo grande passo realista não é ensaio clínico — é criar o organoide SOX5 humano para triagem de drogas.
Quais laboratórios irão provavelmente publicar os primeiros estudos específicos de SOX5?
Radboud UMC Nijmegen (Holanda)
INSERM Paris (França)
UCSD / Muotri Lab (EUA)
Broad Institute / Stanley Center (EUA)
SickKids Toronto (Canadá)
CHOP – Philadelphia (EUA)
UCL / King’s College London (Reino Unido)
Se aparecer um paper experimental em LAMSHF — a probabilidade é que venha desses grupos.
Conclusão
LAMSHF ainda não tem cura — mas está no grupo de doenças genéticas que podem se beneficiar das novas plataformas de organoides e edição genética nos próximos anos. A ciência finalmente chegou ao ponto em que distúrbios monogênicos raros deixaram de ser “incorrigíveis” na teoria.
Sou Dra. Berenice Cunha Wilke, médica formada pela UNIFESP em 1981, com residência em Pediatria na UNICAMP. Obtive mestrado e doutorado em Nutrição Humana na Université de Nancy I, França, e sou especialista em Nutrologia pela Associação Médica Brasileira. Também tenho expertise em Medicina Tradicional Chinesa e uma Certificação Internacional em Endocannabinoid Medicine. Lecionei em universidades brasileiras e portuguesas, e atualmente atendo em meu consultório, oferecendo minha vasta experiência em medicina, nutrição e medicina tradicional chinesa aos pacientes.
Associações e redes sociais
A maior força de suporte hoje está em grupos internacionais organizados por famílias:
Ainda não existe uma fundação formal exclusivamente dedicada à síndrome — mas existe uma comunidade global que cresce e se informa cada vez melhor.
Para acompanhar pesquisas em andamento:
Para saber mais:
Alkhabbaz AA, Baeshen MO, Tanya SM, Toffoli D.
J AAPOS. 2025 Jun;29(3):104183







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