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Bumetanida no Autismo: o que sabemos até agora

  • Foto do escritor: Berenice Cunha Wilke
    Berenice Cunha Wilke
  • há 6 dias
  • 4 min de leitura

A bumetanida é um medicamento tradicionalmente usado como diurético, porém há quase uma década vem chamando atenção como possível modulador de sintomas do Transtorno do Espectro Autista (TEA). O interesse científico aumentou porque ela atua diretamente no equilíbrio entre os neurotransmissores GABA e glutamato, que parecem estar alterados em alguns subgrupos de pessoas autistas.


Mas afinal — o que sabemos hoje? Os efeitos são reais? Existe segurança? Há novos estudos em andamento? E existem variantes genéticas associadas a melhor resposta?

A seguir, um resumo atualizado para 2025, com base nos estudos clínicos mais relevantes publicados e nos ensaios atualmente em andamento.


🔬 Como a bumetanida funciona? (explicação simples)

No cérebro, o GABA é o principal neurotransmissor inibitório, enquanto o glutamato é excitatório. O equilíbrio entre eles é essencial para comportamento social, processamento sensorial e regulação emocional.


Esse equilíbrio depende da quantidade de cloreto dentro do neurônio, regulada por dois transportadores:

  • NKCC1 → leva cloreto para dentro da célula

  • KCC2 → tira cloreto da célula


Pessoas com TEA podem apresentar um desequilíbrio nesse transporte, fazendo com que o GABA deixe de ser inibitório e passe a funcionar como excitatório.


A bumetanida é um bloqueador seletivo de NKCC1, diminuindo o cloreto intracelular e restaurando a ação inibitória do GABA. Estudos com espectroscopia por ressonância magnética (MRS) confirmam que 3 meses de tratamento podem reduzir a razão GABA/glutamato — e essa redução foi correlacionada à melhora clínica.


📊 Principais estudos publicados até 2025


1) Meta-análise europeia (2025)

  • Reuniu os principais ensaios clínicos randomizados.

  • Conclusão: melhora modesta em CARS e sintomas sociais, mas com alta heterogeneidade entre estudos.👉 A eficácia global ainda é considerada inconclusiva.


2) Estudo sueco “wait-list control” (2025)

  • 15 crianças (4–12 anos) tratadas por 6 meses.

  • Melhora em interação social, interesse social e comunicação — mas apenas durante o uso.

  • Sintomas retornam quando a medicação é suspensa.


3) Ensaio clínico duplo-cego com 83 crianças

  • 0,5 mg de bumetanida, 2x/dia, por 3 meses.

  • Melhora em:✔ contato visual✔ interação social✔ comportamentos repetitivos✔ hiperfoco

  • Confirmação cega por médicos independentes.


4) Estudo fase IIb com 88 crianças (2 a 18 anos)

  • Quatro faixas etárias, várias doses.

  • Maior efeito observado nas doses mais baixas (0,5–1 mg).

  • A melhora desaparece após interromper o tratamento.


🧠 Estudos em andamento (2024–2026)


1) Bumetanida guiada por biomarcadores + inteligência artificial

  • Seleciona crianças com maior probabilidade de resposta (“high responders”).

  • Idade: 3–6 anos.

  • Usa modelos de ML e biomarcadores sanguíneos.


2) Fase III internacional (NCT03715166)

  • Amostra grande (7 a 18 anos).

  • Avalia segurança e eficácia de formulação líquida específica.

  • Resultados esperados entre 2025–2026.


3) Bumetanida + EEG/ERP (Stanford)

  • Avalia se padrões eletrofisiológicos preveem resposta.

  • Foco em sensibilidade sensorial e processamento auditivo.


4) QBM-001 (crianças 2–6 anos)

  • Estudo finalizado; resultados pendentes.

  • Voltado para crianças com regressão da fala.


5) MRS GABA/Glutamato (2024)

  • Estudo chinês correlacionou melhora clínica com redução da razão GABA/Glu.

  • Reforça que biomarcadores são chave.


🧬 E quanto à genética? Existem variantes associadas ao uso de bumetanida?

Ainda não existe uma variante comprovada que prediga melhor resposta.Mas a ciência tem alguns candidatos:


📌 Gene SLC12A2 (NKCC1)

  • Variantes raras ou de ganho de função nesse gene podem teoricamente aumentar sensibilidade ao bloqueio por bumetanida.

  • Variantes foram estudadas em esquizofrenia e distúrbios sensoriais, porém não há estudos clínicos correlacionando genótipo com resposta ao tratamento no TEA.


📌 Gene SLC12A5 (KCC2)

  • Alterações em KCC2 também poderiam alterar o equilíbrio de cloreto.

  • Estudos de autismo mostram mutações raras nesse gene, mas sem relação testada com bumetanida.


📌 Conclusão: a farmacogenômica da bumetanida ainda está por ser descoberta.


⚠️ Efeitos colaterais e segurança

A bumetanida, mesmo em doses baixas, exige monitorização médica rigorosa, especialmente nos primeiros 30 dias.

Possíveis efeitos adversos:

  • hipocalemia (baixo potássio)

  • aumento da urina

  • sede e desidratação

  • perda de apetite

  • cansaço

A incidência aumenta conforme a dose. A faixa mais estudada e tolerada é 0,5–1 mg duas vezes ao dia.


📌 Conclusão: onde estamos em 2025?

  • A bumetanida apresenta resultados promissores, especialmente na melhora de comunicação, interação social e comportamentos repetitivos.

  • Porém, os efeitos variam muito entre as crianças e duram apenas enquanto a medicação é usada.

  • Segurança exige cuidado; monitorização é obrigatória.

  • Estudos mais recentes buscam identificar quem responde melhor — usando biomarcadores, EEG, inteligência artificial e neuroimagem.

  • A genética ainda não definiu subgrupos respondedores.


👉 Hoje, em 2025, a bumetanida permanece uma terapia experimental, que pode ser considerada apenas com supervisão altamente especializada e entendimento claro das limitações atuais da evidência.


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Sou Dra. Berenice Cunha Wilke, médica formada pela UNIFESP em 1981, com residência em Pediatria na UNICAMP. Obtive mestrado e doutorado em Nutrição Humana na Université de Nancy I, França, e sou especialista em Nutrologia pela Associação Médica Brasileira. Também tenho expertise em Medicina Tradicional Chinesa e uma Certificação Internacional em Endocannabinoid Medicine. Lecionei em universidades brasileiras e portuguesas, e atualmente atendo em meu consultório, oferecendo minha vasta experiência em medicina, nutrição e medicina tradicional chinesa aos pacientes.






















Para saber mais:


1. Lemonnier E, Robin G, Degrez C, Tyzio R, Grandgeorge M, Hadjikhani N, et al.

Bumetanide improves autistic behavior in children with autism spectrum disorders.Transl Psychiatry. 2012.https://www.nature.com/articles/tp201261

2. Zhang L, Huang CCY, Dai Y, Luo Q, Ji Y, et al.

Symptom improvement in children with autism spectrum disorder following bumetanide treatment: a randomized controlled trial.Transl Psychiatry. 2020.https://www.nature.com/articles/s41398-020-0692-2

3. Du L, Zhao Y, Huang Q, Zhang L, et al.

Bumetanide treatment for autism spectrum disorder in children: a randomized, double-blind, placebo-controlled trial.Autism Research. 2020.https://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1002/aur.2280

4. Qiu S, Wu R, Chen H, et al.

Bumetanide decreases GABA/glutamate ratio in ASD: MRS study correlating neurochemistry with symptom improvement.Neuroimage Clin. 2021.https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/33965463/

5. Zhang L, et al.

Longitudinal effects of bumetanide in ASD evaluated by MRS and behavioral outcomes.NPJ Schizophrenia. 2022.https://www.nature.com/articles/s41537-022-00252-y

6. Medscape / Clinical Commentary (passível de citar como revisão clínica)

Bumetanide in Autism: Summary of clinical trials and outcomes.Medscape, 2021.https://portugues.medscape.com/verartigo/6504496

7. Chen C, et al.

Efficacy of Bumetanide for ASD in Children: Systematic Review and Meta-analysis.Eur Child Adolesc Psychiatry. 2025.https://link.springer.com/article/10.1007/s00787-025-02890-8

8. Johansson N, et al.

Wait-list Controlled Bumetanide Trial in Children With ASD.Acta Paediatrica. 2025.https://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1111/apa.70204

9. Hadjikhani N, et al.

A holistic view of how bumetanide attenuates autism.Cells. 2022.https://www.mdpi.com/2073-4409/11/15/2419

10. Zeng L, et al.

Inhibition of NKCC1 ameliorates anxiety and autistic behaviors in offspring of immune-activated dams.Brain Behav Immun. 2024.https://pmc.ncbi.nlm.nih.gov/articles/PMC10968780/

11. Revisão ampla e atualizada sobre terapias farmacológicas no TEA

Psychopharmacology of Autism Spectrum Disorders – 2024 update.Focus (APA). 2024.https://psychiatryonline.org/doi/full/10.1176/appi.focus.24022006

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