DEAF1 e NEDHELS: atualizações em 2025 sobre diagnóstico, terapias e pesquisas
- Berenice Cunha Wilke
- 10 de nov.
- 7 min de leitura
O gene DEAF1 (Deformed Epidermal Autoregulatory Factor 1) desempenha papel crítico no neurodesenvolvimento humano e em várias funções celulares. Ele codifica um fator de transcrição que regula a expressão de múltiplos genes, inclusive em tecidos neurais, e está implicado em vias de desenvolvimento neural.
Quando mutações patogênicas ocorrem no DEAF1 — seja em heterozigose (dominante de novo) ou em homozigose/composto (recessiva) — se manifesta um quadro clínico complexo, que inclui as síndromes conhecidas como Vulto‑Van Silfhout‑de Vries Syndrome (VSVS) e NEDHELS (Neurodevelopmental Disorder with Hypotonia, Impaired Expressive Language and with or Without Seizures) — este último mais associado à forma autossômica recessiva.
Embora frequentemente se veja a afirmação de que “cerca de 200 crianças no mundo” foram diagnosticadas com alterações em DEAF1, é importante observar que essa estimativa está fortemente subestimada. A associação de pacientes The DAND Alliance (que aborda os distúrbios neurodesenvolvimentais associados ao DEAF1) declara que há aproximadamente 200 casos documentados até o momento, mas sugere que “milhares — se não dezenas de milhares — estejam ainda não diagnosticados”. Além disso, bancos de dados de pesquisa (ex: Human Disease Genes) já registram esforço para coletar casos não publicados.
Por que o subdiagnóstico é provável?
Há várias razões:
Trata-se de uma mutação ultra-rara, muitas vezes identificada apenas por sequenciamento de exoma ou genoma completo, modalidade que não está universalmente disponível ou aplicada como primeira linha.
A variabilidade fenotípica é ampla, variando de atraso global, apraxia de fala, TEA, epilepsia, hipotonia e até manifestações menos específicas, o que pode levar a diagnóstico tardio ou diagnóstico genérico (“TEA + epilepsia sem etiologia definida”).
Em muitos países, há limitação de acesso a centros de avaliação genética que incluam o DEAF1 em painéis ou na interpretação de variantes de novo raras.
Publicações até agora são escassas e majoritariamente em centros de referência, o que limita a visibilidade global do número real de afetados.
Manifestação clínica
Os principais sintomas relatados nos casos com mutações no DEAF1 incluem:
Deficiência intelectual de grau variável
Apraxia de fala ou apraxia global (em muitos casos o principal desafio funcional)
Transtorno do Espectro Autista (TEA) ou traços autísticos
Epilepsia (frequente especialmente em formas recessivas)
Hipotonia e atraso motor (mais comum nos casos de NEDHELS)
Outras características: sono perturbado, atraso de linguagem expressiva, movimento anormal / discinésia (em parte dos casos)
Diagnóstico
O diagnóstico é estabelecido por meio de sequenciamento do exoma completo, dado que o gene DEAF1 não é sempre incluído em painéis menores de genes. Uma vez identificada a variante, a correlação fenotípica é essencial, bem como a revisão de herança familiar (dominante de novo ou recessiva). É importante que as famílias sejam orientadas sobre que este é um diagnóstico de base genética e raríssimo, o que impacta o acompanhamento e a pesquisa colaborativa internacional.
Centros e grupos de pesquisa
Diversos centros e grupos de referência estudam o DEAF1 e suas síndromes associadas. Alguns destaques:
Radboud University Medical Center (Nijmegen, Holanda) – Departamento de Genética Humana, liderado por Anneke Vulto-van Silfhout e Bert de Vries, mantém base de dados DEAF1 e coordena projetos internacionais.
Southern Illinois University School of Medicine (Carbondale, EUA) – com Philip Jensik no estudo funcional de DEAF1 em modelos celulares.
Diversas plataformas de banco de dados de genes-doença e variantes raras, como o “Human Disease Genes” que citam DEAF1 como alvo de coleta de dados clínicos e moleculares.
Links úteis:
Associação brasileira: Instituto Instituto DEAF1 (Brasil)
Terapias e perspectivas terapêuticas
Dado o carácter ultra-raro desta condição e a escassez de ensaios clínicos, as terapias disponíveis são em grande parte de suporte funcional, com algumas iniciativas de pesquisa emergentes. Conforme a tabela acima, dividimos em terapias já clinicamente aplicadas, reutilização de medicamentos (repurposing), e terapias de fronteira.
Terapias de suporte
A reabilitação precoce e intensiva é fundamental: fonoaudiologia para apraxia de fala, comunicação aumentativa, terapia ocupacional e fisioterapia motora para atraso de desenvolvimento/hipotonia. Essas intervenções visam maximizar a funcionalidade e participação social, embora não modifiquem diretamente o defeito genético.
Medicamentos reutilizados
Embora não existam medicamentos aprovados para DEAF1, algumas famílias e centros clínicos utilizam moduladores de neurotransmissores (como GABA/glutamato ou serotonina) para epilepsia ou sintomas comportamentais, e melatonina para sono. A evidência é limitada, e o uso deve ser criteriosamente debatido com o neurologista/geneticista.
Terapias de pesquisa e potenciais futuras
Modelos celulares (iPSC), organoides cerebrais e edição genética (CRISPR) já foram usados para estudar variantes de DEAF1 e sua função no desenvolvimento neural. Por exemplo, em 2023 um estudo intitulado “Expansion and mechanistic insights into de novo DEAF1” explorou variantes e função neuronal. No entanto, nenhum ensaio clínico de terapia gênica ou de células-tronco tem sido publicado para esse gene até o momento.
Considerações práticas para clínicos e famílias
Dada a raridade e variabilidade fenotípica, é fundamental buscar centro de referência em genética e colaborar com redes de doença rara para coleta de dados e possível inclusão em estudos.
Realizar sequenciamento de exoma com boa cobertura e análise de variante rara/novo, preferencialmente em trio.
Uma vez identificado o diagnóstico, orientar a família sobre o prognóstico: embora haja deficiência intelectual e falha de linguagem expressiva em muitos casos, a intensidade, comorbidades (epilepsia, hipotonia, TEA) e desenvolvimento motor variam significativamente.
Ativar intervenções precoces – quanto antes a fonoaudiologia, CAA e terapia motora começarem, melhor a participação social e comunicação.
Apoiar e conectar a família a associações como o Instituto DEAF1 no Brasil, The DAND Alliance, etc., para suporte entre pais, atualizações de pesquisa e eventual recrutamento em estudos.
Manter vigilância neuro-desenvolvimental contínua, com foco em epilepsia, sono, comportamento, linguagem expressiva e regressão precoce de habilidades.
Por que esse diagnóstico importa?
Em primeiro lugar, porque identifica a causa genética de um atraso de desenvolvimento/inteligência/TEA/epilepsia — o que permite melhor aconselhamento familiar e evita buscas diagnósticas extensas.
Em segundo, porque ao identificar o gene, o paciente/família torna-se elegível para redes de pesquisa, grupos de pacientes e — no futuro — potencialmente para terapias dirigidas.
Em terceiro, porque reconhece que o DEAF1 é parte de um espectro genético crescente de “distúrbios neurodesenvolvimentais ultra-raros” que exigem colaboração global para gerar evidência, e cada novo caso agrega valor científico.
Estimativa de prevalência e desafio
Apesar de algumas fontes citarem que existem aproximadamente “200 casos” de DEAF1 identificados no mundo, esse número não representa o total real de pessoas afetadas — representa apenas os casos documentados e confirmados. Como o exoma ainda não é acessível de forma universal, muitos pacientes com atraso de fala, TEA ou epilepsia permanecem sem diagnóstico genético.
A própria DAND Alliance lembra que essa é uma condição ultra-rara (estimada em menos de 1:50.000 nos EUA), mas com alta probabilidade de subdiagnóstico. Vários portais de dados de doenças genéticas e análises de exoma mostram que o gene DEAF1 aparece em painéis de investigação, porém até o momento não existe uma estimativa populacional robusta publicada — portanto, o número real de pessoas com mutações patogênicas no DEAF1 é certamente maior do que o número atualmente descrito nos artigos e registros formais.
Em resumo: o número provável de pessoas com mutação patogênica em DEAF1 ou fenótipos associados é superior aos relatados, talvez em ordem de centenas a milhares mundialmente, mas com baixa visibilidade atual.
Conclusão
O DEAF1 representa um desafio e uma oportunidade: um gene cuja mutação gera um quadro clínico severo de deficiência intelectual, fala, TEA e epilepsia, mas cuja raridade exige esforço colaborativo global para avanços terapêuticos. Para famílias, o diagnóstico oferece clareza e acesso à comunidade; para clínicos e pesquisadores, representa um “laboratório vivo” de neurodesenvolvimento, regulação gênica e terapia de precisão. Enquanto não há tratamento específico aprovado, as intervenções de suporte e reabilitação devem ser intensivas e precoces. Paralelamente, o engajamento das famílias em associações, registros de pacientes, estudos genéticos e redes de doença rara é essencial — porque o futuro das terapias dependerá dessa base de dados global e da vontade de participar da ciência colaborativa.

ASF é portador da variante p.Thr238Pro:
Essa troca (treonina → prolina) ocorre no domínio SAND, essencial para a ligação ao DNA e a dimerização da proteína.
Nos ensaios de McGee 2022, variantes nesse domínio (inclusive p.Thr238Pro) apresentaram:
Diminuição da ligação ao DNA
Redução da atividade transcricional de genes-alvo
Localização nuclear anormal ou incompleta (parte da proteína fica no citoplasma)
Diminuição da repressão de genes imunorregulatórios e metabólicos
👉 Na prática, isso altera a regulação de genes neuronais e metabólicos, podendo afetar:
Homeostase mitocondrial e consumo de glicose (menor eficiência energética neuronal)
Balanço excitatório/inibitório (via GABA e glutamato)
Resposta inflamatória (por desregulação de IFN-α e TNF)
Expressão de transportadores de serotonina e dopamina
⚕️ Repercussões clínicas mais frequentes em portadores de variantes do tipo SAND (como Thr238Pro)
SAND é uma região estrutural de ligação ao DNA (um DNA-binding domain) encontrada em vários fatores de transcrição — o nome vem das iniciais dos primeiros genes onde ele foi descoberto: Sp100, AIRE-1, NucP41/75 e DEAF1.- que estão na região estrutural de ligação ao DNA da qual o DEAF1 faz parte.
Domínio afetado | Alteração funcional | Efeito clínico mais comum | Observações específicas |
SAND (onde está Thr238Pro) | Perda parcial de ligação ao DNA e disfunção da repressão transcricional | Atraso global do desenvolvimento, TEA, hipotonia inicial, convulsões, distúrbios do sono | Perfis semelhantes foram descritos em p.Trp234Arg, p.Gly212Ser, p.Thr238Pro |
Regulação mitocondrial indireta | Redução de genes de biogênese mitocondrial (NRF1, PGC1α) | Fadiga, crises epilépticas com gatilhos metabólicos, sensibilidade a febre ou jejum | não é uma miopatia primária, mas há disfunção bioenergética secundária |
Sinalização serotonérgica e dopaminérgica | Diminuição de transportadores e enzimas associadas (TPH2, SLC6A4) | Alterações de humor, rigidez cognitiva, hiperfoco, ansiedade | quadro “autístico + afetivo” mais comum em mutações SAND |
Vias imunológicas (IFN-α, TNF) | Hiperexpressão basal de genes inflamatórios | Alergias, eczema, disbiose intestinal, febres de repetição em parte dos casos | observadas em algumas crianças DEAF1+, mas não em todas |
🧩 Fenótipo descrito em portadores da p.Thr238Pro
Existe penas 1 caso confirmado na literatura científica com essa variante, o descrito no McGee et al., 2022 – Human Molecular Genetics.
Esse é o único indivíduo com dados clínicos e funcionais disponíveis publicamente para essa substituição específica:
Atraso de linguagem e marcha, com aquisição parcial
Transtorno do espectro autista com hipersensibilidade sensorial
Crises epilépticas de início entre 3 e 9 anos (resposta parcial ao levetiracetam)
Distúrbios do sono e comportamentos estereotipados
Boa resposta a abordagens ambientais e estruturadas (rotina, baixa estimulação)
Sem malformações estruturais cerebrais graves, mas hipometabolismo cortical discreto em PET/FDG
🔬 Em resumo - portadores da p.Thr238Pro:
Categoria | Alteração esperada |
Tipo molecular | Missense de novo com perda parcial de função |
Domínio afetado | SAND (ligação ao DNA) |
Nível celular | Redução de transcrição de genes neurais e mitocondriais |
Metabolismo energético | Menor eficiência mitocondrial e maior vulnerabilidade ao estresse oxidativo |
Sistema nervoso | Alterações sinápticas e de neurotransmissão |
Clínica | Atraso global, TEA, convulsões, distúrbios do sono, leve hipotonia, possível disbiose intestinal |
Prognóstico | Estável ou lentamente progressivo; boa resposta a suporte terapêutico e controle epiléptico |
Sou Dra. Berenice Cunha Wilke, médica formada pela UNIFESP em 1981, com residência em Pediatria na UNICAMP. Obtive mestrado e doutorado em Nutrição Humana na Université de Nancy I, França, e sou especialista em Nutrologia pela Associação Médica Brasileira. Também tenho expertise em Medicina Tradicional Chinesa e uma Certificação Internacional em Endocannabinoid Medicine. Lecionei em universidades brasileiras e portuguesas, e atualmente atendo em meu consultório, oferecendo minha vasta experiência em medicina, nutrição e medicina tradicional chinesa aos pacientes.






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