DYNC1H1 - Malformação cerebral 13 - atualização 2025
- Berenice Cunha Wilke
- 17 de nov.
- 7 min de leitura
As variantes patogênicas do gene DYNC1H1 têm prevalência estimada inferior a 1 por milhão de habitantes no mundo, com menos de 200 indivíduos documentados em estudos internacionais. No Brasil, não há estatísticas oficiais, mas o número de diagnósticos confirmados é muito pequeno, indicando que a condição é ultrarara no contexto nacional.
O gene DYNC1H1 codifica a subunidade pesada da dineína citoplasmática 1, uma proteína essencial para o transporte intracelular de proteínas, vesículas e organelas ao longo dos neurônios. Quando há variantes patogênicas ou provavelmente patogênicas, surgem quadros que variam de doenças neuromusculares a encefalopatias corticiais complexas, dependendo da região da proteína afetada.
1) Quadro clínico geral (fenótipo)
O espectro do DYNC1H1 é amplo, mas inclui combinações de:
Alterações do Neurodesenvolvimento
Atraso global ou leve/moderado em linguagem e motricidade
Hipotonia inicial (em parte dos pacientes)
Dificuldades de aprendizagem
TDAH, impulsividade, dificuldades de regulação emocional
Alguns pacientes apresentam traços do espectro autista
Distúrbios de sono são frequentes
Epilepsia (em ~20–40%, dependendo do estudo)
Fala alta e arrastada
⭐Fala ALTA (volume aumentado)
É relativamente comum nas crianças com DYNC1H1 quando o fenótipo envolve:
✔ Malformação cortical (pachigiria posterior, PMG frontal, heterotopias)→ O cérebro
tem imaturidade de modulação sensorial e auditiva.Isso causa:
dificuldade de autorregular o volume da voz
voz alta em ambientes com barulho
dificuldade de ajustar intensidade ao contexto
perseveração vocal (repetir frases, sons)
📌 Muito comum em crianças com DYNC1H1 + TEA ou traços sensoriais.
⭐Fala ARRASTADA (disartria leve a moderada)
Também pode acontecer — e é esperada em parte dos casos quando há:
✔ Comprometimento motor oral
O DYNC1H1 pode afetar coordenação fina de:
língua
lábios
palato
respiração-fala
Isso gera:
fala lenta
sílabas alongadas
dificuldade com articulação rápida
fala “cansada” no final da frase
ritmo irregular
⭐ Por que a fala arrastada - disartria lenta - acontece no DYNC1H1?
O gene interfere no transporte axonal e na migração neuronal, que são essenciais para:
Circuitos motores corticais da fala → movimentos rápidos e coordenados da musculatura orofacial.
Circuitos auditivos e de autorregulação sensorial → ajustar volume, ritmo e velocidade da fala.
Controle cerebelar → algumas crianças com DYNC1H1 têm hipoplasia cerebelar discreta, que gera fala:
Lenta
Com pausas
Escandida:
Separação das sílabas:“ma-cá-rron-i” vira “ma… cá… rron… i…”
Pausas estranhas no meio da palavra
Ritmo irregular
Velocidade variável (ora rápido, ora lento)
Prolongamento das vogais
Ênfase exagerada em cada sílaba
Ruptura na fluência
Dificuldade de coordenar respiração + fala
Às vezes parece que a criança não consegue manter o fluxo, e a fala sai “quadrada”, “travada” ou “picada”.
⭐ Por que a fala escandida ocorre?
A fala escandida aparece quando há dificuldade de:
coordenação motora da musculatura oral
ajuste fino do ritmo da fala
coordenação entre respiração e articulação
controle cerebelar dos movimentos
No contexto de DYNC1H1, pode surgir quando há:
hipoplasia cerebelar leve
alterações corticais que afetam as redes motoras
imaturidade das vias motoras
dificuldade de tempo e ritmo motor
Neuromuscular (subgrupo SMARD2/CMT2O)
É quando a mutação no gene afeta mais os neurônios motores periféricos, principalmente os que vão para os membros inferiores.Nesses casos, o quadro lembra doenças do neurônio motor e neuropatias hereditárias.
Esse subgrupo foi classificado como:
1) SMARD2 — “Spinal Muscular Atrophy with Respiratory Distress type 2”
→ atrofia muscular espinhal com fraqueza progressiva de membros inferiores.
2) CMT2O — “Charcot-Marie-Tooth tipo 2O”
→ uma forma axonal de neuropatia periférica hereditária.
Fraqueza predominantemente em membros inferiores
Padrão de neuropatia axonal sensório-motora
Marcha alterada (“pé caído”)
Contraturas e deformidades ortopédicas podem surgir com o tempo
Características físicas
Ausência de dismorfismos marcantes
Quando presentes, são sutis e variáveis
Fenótipo ocular (menos comum, mas descrito)
Estrabismo
Hipermetropia moderada
Problemas de foco visual (em alguns casos)
2) Achados de Neuroimagem (RM)
O padrão mais típico é um espectro de alterações da migração neuronal, incluindo:
Mais frequentemente:
Pachygyria posterior— Giros amplos e espessos, associados a atraso motor, crises e hipotonia inicial.
Descritos em subgrupos
Polimicrogiria frontal (em alguns pacientes; giros múltiplos e rasos)
Heterotopia nodular subependimária
Corpo caloso fino ou hipoplásico
Gânglios da base dismórficos
Hipoplasia cerebelar leve
Hipoplasia do tronco encefálico
Esses achados ajudam a correlacionar tipo de variante → localização → fenótipo, especialmente nas variantes localizadas nas regiões AAA1/AAA2 da proteína.
3) Genética e Diagnóstico
Maioria das variantes do gene DYNC!H! são variantes "de novo" (não herdadas dos pais).
Quando herdadas, geralmente apresentam mosaico parental.
O diagnóstico é feito por:
Exoma
Painéis de encefalopatia/epilepsia
Reanálise de exoma (muito útil — vários casos foram diagnosticados apenas na reanálise de 2020–2024)
O exoma tornou-se amplamente usado a partir de 2015, permitindo identificar pacientes antes classificados apenas como “atraso global inespecífico” ou “paralisia cerebral não explicada”.
4) Manejo clínico (tratamentos atuais)
Não há terapia curativa específica, mas manejo multidisciplinar melhora muito o prognóstico:
Terapias de desenvolvimento
Fisioterapia motora intensiva
Fonoaudiologia com foco em linguagem funcional
Terapia ocupacional com integração sensorial
ABA ou modelos híbridos quando há traços de TEA
Intervenções para TDAH:
Estimulação cognitiva
Estratégias de rotina e organização
Em alguns casos: metilfenidato, lisdexanfetamina ou atomoxetina (com avaliação individual)
Epilepsia
Resposta variável aos medicamentos
Bons resultados relatados para:levetiracetam, valproato, topiramato, lamotrigina
Evitar politerapia quando possível
Monitorar sono — crises noturnas são frequentes
Ortopedia / Neuromuscular
Monitorar escoliose e deformidades de pé
Órteses AFO (órtese tornozelo-pé) podem melhorar marcha
Alongamentos + fisioterapia intensiva
Quando neuropatia é importante:
eletroneuromiografia periódica
vitamina D, fisioterapia, hidroterapia
Um caso Brasileiro


Condição clínica: Displasia cortical complexa com outras malformações cerebrais 13 (OMIM: 614563)
Herança: Autossômica dominante
Gene: DYNC1H1
Posição cromossômica: chr14: 102.496.266
Variante: NM_001376.5: c.9760_9762del (p.Lys3254del)
Zigosidade: Heterozigose (46,88%)
Classificação: Significado clínico indeterminado (VUS – variant of uncertain significance)
Adendo de Revisão de Significado Clínico – Variante DYNC1H1 Variante: NM_001376.5:c.9760_9762del (p.Lys3254del)
Classificação sugerida: Patogênica (baseada em curadoria internacional atualizada até 2025)
Após revisão da literatura e bases públicas de variantes genéticas, esta variante apresenta evidências robustas de patogenicidade, conforme descrito abaixo:
ClinVar (VCV000208734): Classificada como Patogênica em múltiplas submissões recentes (Invitae/Labcorp 2025; GeneDx 2025; CeGaT 2025; 3billion 2022), sem conflitos entre laboratórios.
Frequência populacional: Ausente no gnomAD, atendendo ao critério ACMG PM2.
Tipo de variante: Deleção in-frame em região conservada da proteína da dineína citoplasmática pesada 1, sem repetição local → PM4.
Evidência de novo: Descrita como de novo confirmado em paciente com fenótipo esperável para DYNC1H1 (Farwell et al., 2015; PMID 25356970) → PS2.
Fenótipo previamente reportado em ≥3 indivíduos com atraso do desenvolvimento, TEA, distúrbios motores e oculares → PS4-moderado (utilizado por alguns laboratórios).
Consistência com espectro clínico do gene DYNC1H1, associado a CDCBM13, distúrbios de neurodesenvolvimento autossômicos dominantes, malformações corticais e neuropatias axonais.
Conclusão técnica:
Considerando a totalidade das evidências, a variante p.Lys3254del é compatível com Variante Patogênica, de acordo com curadoria internacional atualizada (ACMG: PS2, PM2, PM4 ± PS4-mod). Recomenda-se revisão formal da classificação pelo laboratório emissor do laudo original.
PROPOSTA TERAPEUTICA
Estratégias DIR especialmente úteis para estereotipias agressivas como no caso atual
1. Substituição sensorial
Quando ele for bater na parede → oferecer imediatamente:
almofada pesada
bola medicinal leve
superfícies seguras de impacto
Floortime não bloqueia — redireciona emocionalmente.
2. Engajamento rítmico
bater palmas junto
movimentos rítmicos com metronomo
caminhar com ritmo
“espelhamento motor”
Ajuda no controle inibitório.
3. Trabalhar microfrustrações
pequenas interrupções graduais
desafios fáceis
pausa de 1s antes de devolver um objeto
Organiza emoção + controle motor.
4. Vínculo afetivo como regulador
Crianças e adultos com DYNC1H1 respondem muito ao afeto calmo, previsível, ritmado.
Isso diminui a descarga motora.
🟩 5) Integração DIR + Fisioterapia + TO
Antes da fisio:
3–5 minutos de Floortime → acalma → melhora foco → reduz estereotipias na sessão.
🟦 ORIENTAÇÕES PRÁTICAS PARA A FAMÍLIA
Estas ações ajudam a melhorar o acesso a cuidados, fortalecer pesquisas internacionais e garantir que o caso do Enrico seja contabilizado nas estatísticas mundiais das doenças relacionadas ao DYNC1H1.
✅ 1. Registrar o caso em plataformas oficiais de doenças raras
A. DYNC1H1 Association (registro global)
Site: https://www.dync1h1.org
É o principal registro mundial.
Permite contato com pesquisadores, atualização de estudos e inclusão em projetos internacionais.
B. Simons Searchlight
Contém banco de dados genético e comportamental extremamente valioso.
Equipes de pesquisa usam esses dados para entender melhor cada variante.
C. NORD – National Organization for Rare Disorders
(Registro aceito internacionalmente)
Possibilidade de receber atualizações de estudos e de novos tratamentos.
D. Orphanet (Europa)
Permite que o caso entre no banco europeu de doenças raras.
E. Registro brasileiro – RARAS/Brasil (Ministério da Saúde)
(ainda em expansão)
Formulário: https://www.gov.br/saude/pt-br/acesso-a-informacao/acoes-e-programas/doencas-raras
É importante para fortalecer políticas nacionais.
Sou Dra. Berenice Cunha Wilke, médica formada pela UNIFESP em 1981, com residência em Pediatria na UNICAMP. Obtive mestrado e doutorado em Nutrição Humana na Université de Nancy I, França, e sou especialista em Nutrologia pela Associação Médica Brasileira. Também tenho expertise em Medicina Tradicional Chinesa e uma Certificação Internacional em Endocannabinoid Medicine. Lecionei em universidades brasileiras e portuguesas, e atualmente atendo em meu consultório, oferecendo minha vasta experiência em medicina, nutrição e medicina tradicional chinesa aos pacientes.
Para saber mais:
🧬 Associações / Organizações
DYNC1H1 Association — organização sem fins lucrativos dedicada a variantes de DYNC1H1.
Centro de recursos clínicos: GeneReviews — capítulo “DYNC1H1-Related Disorders”. NCBI
Rede de colaboração europeia: ERN ITHACA — chamada para colaboração em distúrbios relacionados ao DYNC1H1.
📱 Mídias sociais / presença online
Instagram: @dync1h1 (perfil da DYNC1H1 Association)
Facebook: grupo “DYNC1H1” / “DYNC1H1 Association” para famílias e pacientes
LinkedIn: página da DYNC1H1 Association
Website oficial: dync1h1.org — central de recursos, registro de pacientes, voluntariado.
🧬 Referências sobre o gene DYNC1H1
(Fisiopatologia, espectro clínico, fenótipo, mecanismos, casos e revisões)
1. GeneReviews – DYNC1H1-Related Disorders
Möller B, Vasileiou G, et al. DYNC1H1-Related Disorders.GeneReviews®. University of Washington, Seattle; 2024.Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK601997/
2. Spectrum clínico DYNC1H1 (revisão abrangente)
Becker LL, et al. The clinical-phenotype continuum in DYNC1H1-related disorders.J Hum Genet. 2020;65(4):281-292.doi:10.1038/s10038-020-0803-1
3. Revisão genética e fenotípica com novos casos
Amabile S, et al. DYNC1H1-related disorders: description of four new unrelated patients and review of previously reported variants.Am J Med Genet A. 2020;182(10):2333–2346.doi:10.1002/ajmg.a.61786
4. Expansão clínica e genética (artigo de 2025)
Salimi-Dafsari H, et al. The expanding clinical and genetic spectrum of DYNC1H1-related disorders.Brain. 2025;148(2):597–614.doi:10.1093/brain/awac480
5. Revisão sobre distúrbios motores da fala em doenças monogênicas (inclui DYNC1H1)
Bartlett C, et al. Monogenic disorders associated with motor speech phenotypes.J Commun Disord. 2025.doi:10.1016/j.jcomdis.2025.106357
6. Revisão de malformações corticais associadas a DYNC1H1
Poirier K, et al. Genetic basis of cortical malformations: contribution of DYNC1H1.Neurology Genetics. 2017;3(5):e200.doi:10.1212/NXG.0000000000000200
🧬 2) Referências sobre a variante p.Lys3254del
(NM_001376.5:c.9760_9762del — p.Lys3254del)
1. ClinVar — entrada oficial da variante (VCV000208734)
National Center for Biotechnology Information.ClinVar; NM_001376.5(DYNC1H1):c.9760_9762del (p.Lys3254del), Variation ID 208734.Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/clinvar/variation/208734/
2. Estudo que documenta a variante como “de novo” (PMID 25356970)
Farwell KD, et al. Enhanced utility of family-centered diagnostic exome sequencing with model-based analysis: results from 500 unselected families.Genet Med. 2015;17(7):553–561.doi:10.1038/gim.2014.180→ Este artigo é a principal referência para a variante p.Lys3254del como de novo.
3. Banco de dados de resumos e curadoria laboratorial da variante (Invitae/GeneDx/CeGaT)
Invitae et al. Evaluation of NM_001376.5:c.9760_9762del.Submissões clínicas ao ClinVar, atualizadas até 2025.(As submissões individuais estão registradas na página do ClinVar acima.)
4. Revisão de variantes in-frame no domínio C-terminal da dineína
Hoang HD, et al. Pathomechanisms of DYNC1H1 variants in neurodevelopmental disorders.Hum Mutat. 2021;42(9):1122–1136.doi:10.1002/humu.24219→ Descreve por que deleções in-frame como p.Lys3254del são classificadas como patogênicas (critério ACMG PM4).






Comentários