Autoimunidade, microbioma e os “freios” do sistema imune (Nobel 2025)
- Berenice Cunha Wilke
- 13 de out.
- 6 min de leitura
🧠O que é autoimunidade — em palavras simples
Doenças autoimunes surgem quando o sistema de defesa perde a tolerância e, em vez de atacar um inimigo (vírus, bactéria, fungo etc.), passa a reagir contra partes do próprio corpo. Na linguagem dos laureados do Nobel de 2025: quando os ‘freios’ da tolerância falham, o corpo começa a tratar seus próprios tecidos como invasores.”
Isso pode afetar pele, articulações, intestino, glândulas endócrinas, sistema nervoso e rins, entre outros. Exemplos incluem: lúpus, diabetes tipo 1, artrite reumatoide, tireoidite de Hashimoto, psoríase, vitiligo, doença de Crohn, retocolite ulcerativa, esclerose múltipla, miastenia gravis, síndrome de Sjögren, doença de Addison, anemia hemolítica autoimune, síndrome antifosfolípide, dermatite herpetiforme, febre familiar do Mediterrâneo, glomerulonefrite por IgA e glomerulopatia membranosa.
Estudos populacionais recentes apontam que 4–10% das pessoas podem ter alguma condição autoimune, a depender do país e do método de contagem (registros clínicos vs. autorrelato). Essa carga vem subindo nas últimas décadas.
💡O que o Nobel de 2025 nos ensina
Três cientistas — Mary E. Brunkow, Fred Ramsdell e Shimon Sakaguchi — ganharam o Nobel por explicar como o nosso sistema de defesa se autorregula para não atacar o próprio corpo. Pense num carro: você precisa do acelerador para combater micróbios, mas também de freios para parar na hora certa.
As “células T reguladoras (Tregs)” são esses freios. Quem mostrou isso foi Sakaguchi: elas dizem ao sistema imune “ok, já chega, agora é hora de acalmar”.
FOXP3 é como o interruptor-mestre que liga e organiza esses freios. Brunkow e Ramsdell descobriram que, quando o FOXP3 falha (por certos defeitos no gene), as Tregs não funcionam direito e o sistema imune pode virar contra o próprio corpo, causando autoimunidade.
Em uma frase: quando os freios (Tregs/FOXP3) funcionam bem, o corpo se defende e depois volta ao equilíbrio. Quando falham, aumenta o risco de doenças autoimunes.
Dica mental:Tregs = freios do sistema imuneFOXP3 = botão que liga esses freios
Onde entra o intestino (e a alimentação)
O trato gastrointestinal foi por muitos anos visto apenas como o local de digestão e absorção, mas pesquisas das últimas décadas mostraram que a mucosa intestinal abriga a maior coleção de células imunes do corpo — cerca de 70% —, em atividade contínua e intensa.
A mucosa intestinal é uma “fronteira viva”: ela absorve nutrientes, bloqueia invasores e conversa o tempo todo com o sistema imune que vive ali (GALT). Nessa conversa, o microbioma — o conjunto de trilhões de micróbios que moram no intestino — é peça-chave. Quando o equilíbrio dessa comunidade se perde (disbiose), aumentam os sinais que empurram o corpo para a inflamação e diminuem os que favorecem os “freios” do sistema imune.
Como a disbiose pode favorecer a autoimunidade:
Barreira intestinal mais “vazada” ou hiperpermeabilidade intestinal.
A parede do intestino é como uma peneira ultrafina. Em equilíbrio, ela deixa passar vitaminas e minerais, mas segura toxinas e pedaços de bactérias. Na disbiose, afrouxam-se as “junções” entre as células e fragmentos microbianos (como LPS) podem atravessar, irritando o sistema imune e alimentando inflamação sistêmica.
Antígenos alimentares, vindos de alimentos mal digeridos, que atravessam a barreira intestinal "vazada" podem favorecer sensibilização e, em doenças autoimunes bem definidas, atuar como gatilho e “combustível” da autoimunidade.
Mimetismo molecular.
Alguns pedaços de micróbios se parecem com partes do nosso corpo. Se o sistema imune “treina” demais contra esses pedaços, pode confundir os alvos e começar a reagir contra tecidos próprios (autoanticorpos/células autorreativas).
Menos metabólitos protetores - butirato, propionato e acetato
Quando falta fibra na dieta, as bactérias produtoras de ácidos graxos de cadeia curta (como o butirato) perdem espaço. Esses metabólitos nutrem a mucosa, fortalecem a barreira e estimulam os freios contra a autoimunidade -
Outros “sinais químicos” do microbioma
Além dos ácidos graxos de cadeia curta, a bile transformada por bactérias e os derivados do triptofano também enviam sinais para o sistema imune da mucosa. Na disbiose, esses sinais ficam pobres e com menor capacidade de regular a imunidade.
O que desequilibra o microbioma (e a barreira)
Dieta ultraprocessada (baixa em fibras, rica em emulsiificantes, adoçantes e aditivos). Inúmeros estudos vêm mostrando que os emulsificantes afimam e desquilibram a camada de muco e alteram a permeabilidade intestinal. Vários produtos ultraprocessados como o Toddynho contém emulsificantes agressivos para o intestino.
Uso repetido de antibióticos (quando não há indicação, ou sem reposição adequada do ecossistema).
Estresse crônico e privação de sono, que também alteram a permeabilidade e a composição microbiana.
Sedentarismo e álcool em excesso.
🥗 O que ajuda a reequilibrar (adjuvante ao tratamento médico)
Fibras diariamente (meta prática: 25–30 g/dia, se bem toleradas): feijões, grão-de-bico, lentilha, aveia, frutas, verduras, sementes.Quanto mais fibras, maior produção de ácidos graxos de cadeia curta que tornam a barreira intestinal mais íntegra e tornam os freios da autoimunidad mais ativos.
Alimentação rica em plantas - verduras, frutas, legumes, grãos integrais e leguminosas - azeite, peixes.
Redução dos alimentos ultraprocessados e de aditivos - especialmente emulsificantes. Os emulsificantes afinam e destroem a camada de muco intestinal e alteram a permeabilidade intestinal. Muitos alimentos, como por exemplo o toddynho, contém os emulsificantes.
Retirada dos adoçantes da alimentação
Fermentados tradicionais (quando tolerados): iogurte natural, kefir, chucrute, kimchi — pequenas porções regulares podem aumentar diversidade microbiana.
Gorduras de boa qualidade (azeite, peixes)
Sono, manejo do estresse e atividade física: melhoram a permeabilidade intestinal e o tônus anti-inflamatório.
Quando a dieta não é suficiente, os suplementos podem ajudar a modular o microbioma:
Prebióticos
Inulina
FOS (frutooligossacarídeos)
XOS (xilooligossacarídeos)
Fibregum B (goma acácia)
Psyllium, polidextrose, pectina.
Probióticos - suplementos ricos em microorganismos saudáveis.
Paraprobióticos - Bio-MAMPs
Posbióticos - como por exemplo o ácido butírico (corebiome)
Fitoterápicos que auxiliam na melhora da flora intestinal
O intestino com o microbioma intestinal equilbrado ajuda na proteção e no combate as doenças autoimunes.

Sou Dra. Berenice Cunha Wilke, médica formada pela UNIFESP em 1981, com residência em Pediatria na UNICAMP. Obtive mestrado e doutorado em Nutrição Humana na Université de Nancy I, França, e sou especialista em Nutrologia pela Associação Médica Brasileira. Também tenho expertise em Medicina Tradicional Chinesa e uma Certificação Internacional em Endocannabinoid Medicine. Lecionei em universidades brasileiras e portuguesas, e atualmente atendo em meu consultório, oferecendo minha vasta experiência em medicina, nutrição e medicina tradicional chinesa aos pacientes.
Para saber mais: Abend AH, et al. Estimation of prevalence of autoimmune diseases in the United States using electronic health record data. J Clin Invest. 2024;135(4):e178722. doi:10.1172/JCI178722. PMC
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Rojas M, et al. Molecular mimicry and autoimmunity. J Autoimmun. 2018;95:100-123. (seu pedido)
Petta I, Fraussen J, Somers V, Kleinewietfeld M. Interrelation of diet, gut microbiome, and autoantibody production. Front Immunol. 2018;9:439. (seu pedido)
Kim CH. Complex regulatory effects of gut microbial short-chain fatty acids on immune cell subsets and autoimmunity. Cell Mol Immunol. 2023;20:1403-1419. Nature+1
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Abend AH, et al. Estimation of prevalence of autoimmune diseases in the United States… (versão em acesso aberto). J Clin Invest. 2024;135(4):e178722. (link PMC). PMC






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