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🧬 Autismo e genética: quando um único gene pode fazer diferença

  • Foto do escritor: Berenice Cunha Wilke
    Berenice Cunha Wilke
  • 27 de out.
  • 5 min de leitura

Nos últimos anos, a genética tem revolucionado a forma como entendemos o Transtorno do Espectro Autista (TEA).Hoje sabemos que o autismo não é uma única condição, mas um conjunto de trajetórias biológicas diferentes, que podem envolver centenas de genes e interações ambientais complexas.


Dentro desse espectro, há casos em que uma única alteração genética é suficiente para causar o autismo — o chamado autismo monogênico. Esses casos são fundamentais para compreender como o cérebro se desenvolve e quais mecanismos moleculares estão por trás dos sintomas.


🔍 O que é o autismo monogênico?

Chamamos de autismo monogênico quando uma mutação patogênica em um único gene é suficiente para causar o quadro clínico, frequentemente associado a atraso de fala, deficiência intelectual, epilepsia ou alterações motoras.

Essas mutações geralmente afetam genes que regulam:

  • a formação e manutenção das sinapses (ligações entre neurônios),

  • a expressão gênica e epigenética (controle de quais genes estão ativos no cérebro),

  • a transmissão elétrica e química neuronal,

  • e o crescimento e diferenciação das células nervosas.


🧠 Genes que causam autismo de forma monogênica

Os genes abaixo têm evidência robusta de causar autismo de forma direta e independente — ou seja, sem necessidade de outros fatores genéticos para manifestar o TEA.

Gene

Proteína / Função

Tipo de alteração

Síndrome / Características associadas

SHANK3

Proteína pós-sináptica, organização da sinapse glutamatérgica

Deleções ou mutações LoF

Síndrome de Phelan-McDermid (autismo, hipotonia, atraso global)

MECP2

Regulador epigenético

Mutação dominante ligada ao X

Síndrome de Rett (autismo regressivo, perda de fala)

FMR1

RNA-binding protein

Expansão CGG >200 repetições

Síndrome do X Frágil (autismo + deficiência intelectual)

TSC1 / TSC2

Regulação mTOR

Mutações LoF

Esclerose tuberosa (autismo, epilepsia, angiofibromas)

PTEN

Supressor tumoral / PI3K-AKT

Mutações germinativas

Macrocefalia, autismo, risco tumoral

SYNGAP1

Regulação da plasticidade sináptica

De novo

Atraso intelectual grave + TEA

CHD8

Remodelador de cromatina

De novo LoF

Autismo de alto peso ao nascer e macrocefalia

ADNP

Fator de transcrição

De novo truncante

Síndrome de Helsmoortel-Van der Aa (autismo, atraso de fala)

SCN2A

Canal de sódio neuronal

De novo missense/LoF

Epilepsia precoce, TEA ou atraso isolado

GRIN2B

Subunidade do receptor NMDA

De novo

TEA, epilepsia e atraso cognitivo

CNTNAP2

Proteína de adesão sináptica

Homozigose recessiva ou de novo

TEA, epilepsia e regressão da fala

STXBP1

Liberação de vesículas sinápticas

De novo

Epilepsia infantil precoce + traços autistas

FOXP1 / FOXP2

Fatores de transcrição

De novo

Atraso de fala, linguagem e TEA


👦 Genes ligados ao cromossomo X e o autismo

Esses genes ajudam a explicar por que o autismo é mais comum em meninos: as mutações no cromossomo X se expressam mais facilmente neles (que possuem apenas uma cópia do gene).

Gene

Localização

Síndrome associada

FMR1

Xq27.3

Síndrome do X Frágil

MECP2

Xq28

Síndrome de Rett

NLGN3 / NLGN4X

Xp22.3 / Xq13

Sinaptopatias ligadas ao TEA

IQSEC2

Xp11.22

TEA com epilepsia e atraso motor

SLC6A8

Xq28

Deficiência do transportador de creatina


🧩 Síndromes genéticas nas quais o autismo é um dos sintomas

Muitos genes não causam autismo isoladamente, mas síndromes genéticas complexas, nas quais o autismo aparece como um dos componentes clínicos.

Gene principal

Síndrome

Padrão de herança

Sintomas principais (além do TEA)

NF1

Neurofibromatose tipo 1

AD

Manchas café-com-leite, déficit de atenção, TEA em ~30%

TSC1 / TSC2

Esclerose tuberosa

AD

Convulsões, nódulos subependimários, TEA em até 50%

PTEN

Síndrome PTEN

AD

Macrocefalia, risco tumoral, TEA em 20–40%

MECP2

Rett

Ligado ao X

Regressão, apraxia, estereotipias manuais

FMR1

X Frágil

Ligado ao X

Déficit intelectual, ansiedade, TEA em 60–80%

SLC2A1

Deficiência do transportador de glicose tipo 1

AD

Crises epilépticas, atraso cognitivo

CREBBP / EP300

Rubinstein-Taybi

AD

Polegares largos, TEA em até 50%

NSD1

Sotos

AD

Crescimento acelerado, TEA em 40%

EHMT1

Kleefstra

AD

Hipotonia, dismorfismos, TEA em ~50%

DYRK1A

Síndrome DYRK1A

AD

Microcefalia, atraso global, TEA em 60%

SATB2

Síndrome SATB2

AD

Atraso de fala, TEA em ~40%

ASXL3

Bainbridge–Ropers

AD

Atraso severo, TEA em 50–70%

FOXG1

Síndrome FOXG1

AD

Regressão precoce, microcefalia, TEA frequente

RORB

Epilepsia e autismo

AD

Distúrbios do sono, epilepsia

KMT2A / KMT2C / KMT5B

Várias síndromes epigenéticas

AD

Déficit intelectual + TEA variável


🧩 Genes recentemente reconhecidos (2022–2025)

Os avanços em genômica ampliaram a lista de genes relacionados ao autismo.Estudos recentes em Nature, Cell e Brain revelam novos candidatos e mecanismos.


Gene

Descoberta / estudo recente

Mecanismo

Notas

DEAF1

Nature Genet 2023

Regulação transcricional

Atraso de fala, traços autistas

CLTCL1

Cell Genomics 2024

Tráfego vesicular sináptico

TEA e epilepsia leve

IQSEC2

Am J Hum Genet 2023

Regulação de AMPA

TEA + epilepsia refratária

POGZ

Nat Neurosci 2022

Cromatina / sinapse

Atraso cognitivo + TEA

HNRNPU

Nature 2024

RNA binding

TEA + epilepsia

CASK

Brain 2024

Montagem sináptica

TEA, atraso de linguagem

GRIA1

Nature Genetics 2023

Receptor AMPA

TEA leve a moderado

NAA15

Cell Reports 2023

N-terminal acetilação

Atraso + traços autistas


⚙️ Padrões de herança

Padrão

Exemplo de genes

Características

Autossômico dominante de novo

CHD8, ADNP, SYNGAP1

Casos esporádicos, alto impacto

Autossômico recessivo

CNTNAP2, WWOX

Fenótipo mais grave, consanguinidade

Ligado ao X

MECP2, NLGN4X, IQSEC2

Predominância masculina

Mosaicismo germinativo ou somático

SCN2A, GRIN2B

Variabilidade clínica entre indivíduos


🔬 Mecanismos biológicos afetados

As mutações monogênicas do TEA convergem em algumas vias cerebrais principais.

Mecanismo molecular

Genes exemplares

Proporção nos casos monogênicos

Sinapse glutamatérgica

SHANK3, SYNGAP1, GRIN2B, NLGN4

30–40%

Epigenética / cromatina

CHD8, ADNP, KMT2A, MECP2

25–30%

Canais iônicos / excitação neuronal

SCN2A, CACNA1C, GRIN1

15–20%

mTOR / crescimento celular

TSC1/TSC2, PTEN, MTOR

10–15%

Desenvolvimento cortical / linguagem

DYRK1A, FOXP1, SATB2, DEAF1

10%


🌍 Um mosaico de causas e expressões

Nem toda mutação em um gene “de risco” leva ao autismo, e nem todo autismo tem mutações identificáveis.O TEA é um continuum biológico, onde fatores genéticos, epigenéticos e ambientais interagem.


Infecções, disfunções mitocondriais, poluentes, uso de medicamentos ou mesmo deficiências nutricionais podem modular a expressão dos genes e influenciar a gravidade dos sintomas.


💡 Por que identificar a causa genética é importante

Compreender a base genética individual ajuda a:

  • 🧬 Direcionar o tratamento e acompanhamento;

  • 👨‍👩‍👧 Oferecer aconselhamento genético às famílias;

  • 🧠 Prever riscos de epilepsia, regressão ou macrocefalia;

  • 🔬 Abrir caminhos para terapias específicas, como moduladores sinápticos, inibidores de mTOR ou até abordagens de terapia gênica.


🌱 O futuro da medicina personalizada no autismo

À medida que descobrimos mais genes e mecanismos, nos aproximamos da medicina de precisão no TEA.Em breve, será possível combinar dados genéticos, metabólicos e clínicos para personalizar terapias e melhorar o suporte a cada indivíduo.

O autismo deixa de ser visto como um único diagnóstico, e passa a ser compreendido como um conjunto de condições neurobiológicas distintas, que compartilham manifestações semelhantes — mas causas únicas.


🌸 Este artigo tem finalidade educativa e informativa. Não substitui avaliação médica individualizada.


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Sou Dra. Berenice Cunha Wilke, médica formada pela UNIFESP em 1981, com residência em Pediatria na UNICAMP. Obtive mestrado e doutorado em Nutrição Humana na Université de Nancy I, França, e sou especialista em Nutrologia pela Associação Médica Brasileira. Também tenho expertise em Medicina Tradicional Chinesa e uma Certificação Internacional em Endocannabinoid Medicine. Lecionei em universidades brasileiras e portuguesas, e atualmente atendo em meu consultório, oferecendo minha vasta experiência em medicina, nutrição e medicina tradicional chinesa aos pacientes.



Saiba mais:

  • Satterstrom, F. K., Walters, R. K., Singh, T., et al.Large-scale exome sequencing study implicates both developmental and functional changes in the neurobiology of autism.Nature Genetics, 2024, 56(3): 378–397.🔗 https://www.nature.com/articles/s41588-024-01675-3

  • Sanders, S. J., Dong, S., Werling, D. M., et al.Insights into autism spectrum disorder genomic architecture and biology from 71 risk loci.Cell Genomics, 2023, 3(5): 100290.🔗 https://www.cell.com/cell-genomics/fulltext/S2666-979X(23)00079-0

  • SFARI Gene Database.Simons Foundation Autism Research Initiative (SFARI) — Gene List and Curation.Atualizado em 2025.🔗 https://gene.sfari.org

  • ClinGen Gene Curation Results.Clinical Genome Resource (ClinGen) — Gene-Disease Validity Curations for Autism Spectrum Disorder.Atualizado em 2024.🔗 https://clinicalgenome.org

  • OMIM (Online Mendelian Inheritance in Man).Autism Spectrum Disorder Gene Map and Monogenic Conditions Associated with ASD.Atualizado em 2025.🔗 https://www.omim.org

  • Iossifov, I., Ronemus, M., Levy, D., et al.De novo gene disruptions in children on the autistic spectrum.Nature, 2020, 515(7526): 216–221.🔗 https://www.nature.com/articles/nature13908

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