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Tylenol, autismo e TDAH - o que sabemos

  • Foto do escritor: Berenice Cunha Wilke
    Berenice Cunha Wilke
  • 11 de out.
  • 5 min de leitura

Tylenol (paracetamol): para que serve e efeitos colaterais


Para que serve

Analgésico e antitérmico indicado para dor leve a moderada e febre. Não tem efeito anti-inflamatório clinicamente relevante.


Tylenol (paracetamol) e insuficiência hepática aguda

O paracetamol é um dos analgésicos e antipiréticos mais utilizados nos EUA. Embora relativamente seguro em doses terapêuticas, a intoxicação por paracetamol causa necrose hepática. A toxicidade por paracetamol é a causa mais comum de insuficiência hepática nos Estados Unidos e nos casos graves pode evoluir para o transplante hepático.


É responsável também or 56.000 atendimentos de emergência e 26.000 hospitalizações, a intoxicação por paracetamol causa cerca de 458 mortes anuais nos EUA. Notavelmente, ~50% dessas intoxicações são não intencionais, frequentemente por interpretação incorreta das instruções de dosagem ou pelo consumo inadvertido de vários produtos que contêm paracetamol.


Paracetamol/Tylenol e risco de autismo e TDAH: o que mostram os estudos epidemiológicos

O paracetamol é o medicamento de venda livre mais comumente usado para dor e febre durante a gravidez, com mais de 50% das gestantes no mundo utilizando-o. Diversos estudos bem elaborados indicaram que mães expostas ao paracetamol na gestação têm filhos diagnosticados com transtornos do neurodesenvolvimento  — incluindo transtorno do espectro autista (TEA) e transtorno do déficit de atenção e hiperatividade (TDAH) — em taxas mais elevadas do que filhos de gestantes não expostas. Outros estudos não encontratram essa associação.


A gravidez é um período crítico: os estágios embrionário e fetal são momentos de mudanças fisiológicas e de desenvolvimento rápidas e sequenciais. O cérebro em desenvolvimento é especialmente vulnerável a exposições ambientais, dado o desenvolvimento incompleto da barreira hematoencefálica e o intenso processo de crescimento, diferenciação e poda neuronal ao longo da primeira infância. A natureza complexa e rigidamente regulada do desenvolvimento cerebral no útero significa que mesmo interrupções menores ou temporárias podem ter efeitos duradouros. Assim, exposições precoces a produtos químicos, tóxicos, fármacos e outros agentes exógenos podem alterar o neurodesenvolvimento e deixar sequelas persistentes, incluindo os transtornos do neurodesenvolvimento .


Inúmeros estudos avaliaram as associações entre o uso de paracetamol e o autismo. Alguns encontraram evidências de correlação, outros não.


Entretanto, comprovar a associação do paracetamol (Tylenol) com autismo — assim como a de outros fatores ambientais suspeitos — é metodologicamente muito difícil. A maior parte dos casos não monogênicos tem arquitetura poligênica, com centenas de genes contribuindo de forma pequena e combinada, além de interações gene × ambiente e grande heterogeneidade clínica. Do lado ambiental, mais de 50 fatores já apresentam correlações descritas. Como, então, isolar com precisão o efeito específico do paracetamol nesse cenário multifatorial apenas com epidemiologia observacional?

Há evidências de que uma fração dos indivíduos com TEA apresenta disfunção mitocondrial — isto é, mitocôndrias com produção de energia menos eficiente, maior geração de espécies reativas de oxigênio (ROS) e maior sensibilidade ao estresse metabólico. O paracetamol pode, em pessoas geneticamente suscetíveis, agravar a função mitocondrial. Essa disfunção poderia tornar o cérebro (ou outros tecidos) mais vulnerável a “insultos metabólicos” (por exemplo, estresse oxidativo adicional) durante o desenvolvimento neurológico.


Alguns estudos e hipóteses sugerem que o paracetamol, mesmo em doses não excessivas, pode ter efeitos adversos sobre mitocôndrias. Há trabalhos experimentais indicando inibição de funções mitocondriais em concentrações usadas para reduzir febre/temperatura. Assim, autores propõem que, em indivíduos suscetíveis (por exemplo, com variantes em genes mitocondriais ou em sistemas antioxidantes), exposições ao paracetamol poderiam aumentar o risco de desfechos neurológicos (como autismo e TDAH), potencialmente por mecanismos ligados à mitocôndria.


Também é importante lembrar que o paracetamol é frequentemente recomendado em casos de febre. A própria febre — geralmente causada por vírus ou bactérias — é um estressor para o organismo e pode, por si só, impactar a função mitocondrial, o que dificulta separar o efeito do fármaco do efeito da infecção.

Embora a relação entre paracetamol, alteração mitocondrial e autismo ainda não esteja confirmada de forma definitiva, ela é plausível.


Princípio da precaução

Pelo princípio da precaução, evitar o paracetamol durante a gravidez e nos primeiros anos de vida pode ser uma medida de bom senso. Se for necessário, usar a menor dose e tempo possível.


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Sou Dra. Berenice Cunha Wilke, médica formada pela UNIFESP em 1981, com residência em Pediatria na UNICAMP. Obtive mestrado e doutorado em Nutrição Humana na Université de Nancy I, França, e sou especialista em Nutrologia pela Associação Médica Brasileira. Também tenho expertise em Medicina Tradicional Chinesa e uma Certificação Internacional em Endocannabinoid Medicine. Lecionei em universidades brasileiras e portuguesas, e atualmente atendo em meu consultório, oferecendo minha vasta experiência em medicina, nutrição e medicina tradicional chinesa aos pacientes.



Para saber mais:

  1. Alemany S, Avella-García CB, Liew Z, et al. Prenatal and postnatal exposure to acetaminophen and relation to ASD/ADHD symptoms: meta-análise de 6 coortes europeias. Eur J Epidemiol. 2021;36:993-1004. OR≈1,19 (TEA) e 1,21 (TDAH). PMC+1

  2. Masarwa R, Levine H, Gorelik E, et al. Prenatal acetaminophen exposure and risk for ADHD/ASD: systematic review, meta-analysis e meta-regressão. Am J Epidemiol. 2018;187:1817-27. PubMed

  3. Prada D, Bonilla-Duarte S, Isla NA, et al. Evaluation of the evidence on acetaminophen and NDDs using the Navigation Guide. Environ Health. 2025;24:56. (Síntese com ratings de risco-de-viés/força da evidência.) PubMed+1

  4. Bauer AZ, Swan SH, Kriebel D, et al. Paracetamol use during pregnancy — a call for precautionary action. Nat Rev Endocrinol. 2021;17:757-66. (Consenso pró-precaução; não estabelece causalidade.) Nature+1

  5. Ahlqvist VH, Öberg S, D’Onofrio BM, et al. Acetaminophen use during pregnancy and children’s risk of autism, ADHD, and intellectual disability: análise por irmãos em ~2,5 milhões de crianças. JAMA. 2024;332:255-64. (Sem associação nas análises entre irmãos → forte sugestão de confundimento familiar.) JAMA Network+1

  6. Ji Y, Azuine RE, Zhang Y, et al. Cord plasma biomarkers of in utero acetaminophen exposure and risk of ADHD/ASD na infância (relação dose-resposta). JAMA Psychiatry. 2019/2020. PMC+1

  7. Anand NS, et al. Umbilical cord acetaminophen + 8-OHdG e risco de TDAH (interação com estresse oxidativo). J Child Psychol Psychiatry. 2021. PMC

  8. Liew Z, Ritz B, Rebordosa C, et al. Uso materno de acetaminofeno na gestação e risco de HKD/condutas tipo TDAH. JAMA Pediatr. 2014. JAMA Network+1

  9. Ystrom E, Gustavson K, Brandlistuen RE, et al. Exposição pré-natal e risco de TDAH (MoBa): associação sobretudo com uso prolongado. Pediatrics. 2017. PubMed+1

  10. Liew Z, et al. Acetaminophen na gestação e TEA (Danish National Birth Cohort). Autism Res. 2016. PubMed

  11. Avella-García CB, et al. Exposição pré-natal e sintomas de TEA (maior efeito em meninos) e atenção (INMA, Espanha). Int J Epidemiol. 2016. PubMed+1

  12. Brandlistuen RE, et al. Uso prolongado de paracetamol na gestação e piores desfechos de desenvolvimento aos 3 anos (MoBa). Int J Epidemiol. 2013. PubMed+1

  13. Woodbury ML, et al. Exposição pré-natal (2º trimestre) e problemas de atenção na infância (revisão/atualização). Clin Ther. 2024. PMC

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