Autismo infantil ≠ autismo adulto: diferenças genéticas
- Berenice Cunha Wilke
- há 2 dias
- 5 min de leitura
Publicado em outubro de 2025, um estudo da revista Nature, liderado por Varun Warrier (Universidade de Cambridge) e Xinhe Zhang, trouxe uma das descobertas mais importantes dos últimos anos:
O autismo diagnosticado na infância e o autismo diagnosticado na vida adulta não são apenas diferentes em aparência — eles têm bases genéticas distintas.
🧩 Um espectro com trajetórias diferentes
Durante muito tempo, acreditou-se que a diferença entre ser diagnosticado cedo ou tarde era apenas uma questão de “gravidade” dos sintomas ou de falta de reconhecimento por parte dos profissionais. Mas o novo estudo mostra que o momento do diagnóstico revela tipos diferentes de caminhos biológicos.
Os pesquisadores analisaram dados genéticos de mais de 45 mil pessoas autistas (consórcios iPSYCH e SPARK) e compararam a idade do diagnóstico com perfis genéticos e trajetórias comportamentais desde a infância.
O resultado surpreendeu: existem dois grandes perfis de autismo, que se sobrepõem, mas têm origens parcialmente distintas.
👶 Autismo de diagnóstico precoce
Os sinais aparecem antes dos 3 ou 4 anos: atraso de fala, pouca resposta social, dificuldades sensoriais e cognitivas.
Genética: mais associado a mutações raras e variantes com grande efeito, que afetam diretamente o desenvolvimento neurológico e sináptico.
Neurodesenvolvimento: alterações estruturais e funcionais cerebrais detectáveis cedo (em áreas sociais, motoras e de linguagem).
É o tipo de autismo mais identificado pelos pediatras e serviços de estimulação precoce.
Frequentemente vem acompanhado de deficiência intelectual, epilepsia ou atrasos motores.
➡️ Essas pessoas precisam de intervenção precoce, com foco em comunicação, linguagem e integração sensorial.Com o suporte certo, podem evoluir muito — mas o perfil genético indica que o autismo é parte estrutural do seu desenvolvimento desde o início da vida.
🧠 Autismo de diagnóstico tardio (adolescência ou vida adulta)
Na infância, o desenvolvimento é considerado “típico”: fala, aprendizado e socialização ocorrem dentro do esperado.
As dificuldades surgem ou se intensificam mais tarde, geralmente com o aumento das exigências sociais e emocionais.
A genética mostra maior sobreposição com TDAH, ansiedade e depressão, indicando que essas condições compartilham parte do mesmo conjunto de genes.
A pessoa costuma ter inteligência normal ou alta, mas sente esgotamento social, rigidez, ansiedade, dificuldade de leitura social e burnout.
➡️ Esse é o autismo que muitas vezes passa despercebido até a vida adulta. As pessoas aprendem a “camuflar” comportamentos para se encaixar, o que traz sofrimento e, frequentemente, um diagnóstico tardio — às vezes após anos de terapia para ansiedade ou depressão.
⚖️ 3. As duas formas se sobrepõem — mas têm pesos diferentes
Warrier descreve isso como “duas colinas dentro do mesmo espectro”:
Ambas compartilham parte da base genética (r_g ≈ 0,38),
Mas cada uma tem padrões de genes e manifestações diferentes.
⚖️ 3. As duas formas se sobrepõem — mas têm pesos diferentes
Warrier descreve isso como “duas colinas dentro do mesmo espectro”:
Ambas compartilham parte da base genética (r_g ≈ 0,38),
Mas cada uma tem padrões de genes e manifestações diferentes.
Uma lacuna importante: 60+
Apesar do avanço das pesquisas genéticas no autismo, ainda não existem estudos robustos focados em pessoas autistas com mais de 60 anos. As grandes coortes (SPARK, iPSYCH, TACÁ) concentram-se em crianças, adolescentes e adultos jovens, deixando idosos praticamente de fora. Seguem em aberto perguntas sobre como o envelhecimento afeta a expressão genética do autismo, a interação com neurodegeneração e o diagnóstico após os 60 anos. É um vazio científico que precisa ser preenchido.
Em resumo:
Característica | Autismo precoce | Autismo tardio/adulto |
Início dos sinais | Antes dos 3–4 anos | Após os 8 anos ou na vida adulta |
Genes envolvidos | Mutações raras, alto impacto no neurodesenvolvimento | Variantes comuns, genes compartilhados com TDAH/depressão |
QI médio | Frequentemente abaixo da média | Normal ou alto |
Trajetória | Déficits visíveis desde cedo | Dificuldades crescentes e mascaramento |
Comorbidades | Epilepsia, atraso motor | Ansiedade, depressão, burnout |
Tipo de suporte | Intervenções neurodesenvolvimentais precoces | Apoio psicoterapêutico, estratégias de coping e regulação emocional |
Em resumo:
🔬 O que o estudo mostrou geneticamente
Os pesquisadores descobriram que:
A idade do diagnóstico tem hereditariedade genética de 11%, ou seja, parte dela vem da variação genética individual.
Há dois conjuntos de genes parcialmente diferentes associados ao diagnóstico precoce e ao diagnóstico tardio.
O perfil precoce está ligado a genes do neurodesenvolvimento e das sinapses.
O perfil tardio está ligado a redes genéticas de regulação emocional e atenção — as mesmas envolvidas em TDAH e transtornos de humor.
Em outras palavras, o autismo diagnosticado no adulto não é apenas um autismo “que passou despercebido”, mas pode refletir um tipo diferente de vulnerabilidade biológica.
💬 O que isso muda na prática
Diagnóstico adulto é real e biológico. Não é falta de observação dos pais, nem autodiagnóstico: há diferenças genéticas e cerebrais que explicam por que algumas pessoas só se reconhecem autistas mais tarde.
As terapias devem ser personalizadas.
Autismo precoce: foco em estimulação global e comunicação.
Autismo adulto: foco em regulação emocional, burnout, identidade e adaptação social.
O espectro é mais diverso do que se pensava. A ciência está mostrando que o autismo é um conjunto de trajetórias, e não um único caminho biológico.
🔑 Em resumo
Tipo de autismo | Características clínicas | Associação genética | Implicações práticas |
Diagnóstico precoce (< 6 anos) | Déficits precoces em fala, interação social, QI mais baixo ou moderado | Genes de desenvolvimento neurológico e sináptico | Intervenção precoce intensiva e suporte educacional |
Diagnóstico tardio (≥ 8–10 anos) | Boa linguagem, QI normal/alto, sintomas sociais e emocionais graduais | Genes compartilhados com TDAH, ansiedade, depressão | Abordagens de regulação emocional, psicoterapia e suporte em contextos sociais complexos |
🌱 Conclusão
A descoberta de Warrier e Zhang abre caminho para uma nova era da medicina personalizada no autismo. Compreender as diferenças genéticas entre autismo precoce e tardio ajuda a construir um olhar mais empático, preciso e humano — especialmente para os adultos que passaram anos sem compreender por que se sentiam diferentes.
“O autismo não começa com o diagnóstico, ele sempre esteve ali — apenas se expressa de formas e tempos diferentes.”— Varun Warrier, Nature, 2025

Sou Dra. Berenice Cunha Wilke, médica formada pela UNIFESP em 1981, com residência em Pediatria na UNICAMP. Obtive mestrado e doutorado em Nutrição Humana na Université de Nancy I, França, e sou especialista em Nutrologia pela Associação Médica Brasileira. Também tenho expertise em Medicina Tradicional Chinesa e uma Certificação Internacional em Endocannabinoid Medicine. Lecionei em universidades brasileiras e portuguesas, e atualmente atendo em meu consultório, oferecendo minha vasta experiência em medicina, nutrição e medicina tradicional chinesa aos pacientes.
Para saber mais:
🧬O iPSYCH (The Lundbeck Foundation Initiative for Integrative Psychiatric Research) é um grande projeto nacional da Dinamarca, iniciado em 2012.
Seu objetivo é identificar causas genéticas e ambientais dos transtornos psiquiátricos, como autismo, TDAH, esquizofrenia, bipolaridade e depressão.
Ele reúne uma enorme amostra populacional (mais de 130 mil dinamarqueses) — incluindo casos e controles — para estudar interações gene–ambiente ao longo da vida.
🧩SPARK (Simons Foundation Powering Autism Research for Knowledge) é uma iniciativa nos EUA, patrocinada pela Simons Foundation Autism Research Initiative (SFARI).
A missão é reunir o maior estudo de autismo já feito, com participantes que forneçam dados clínicos, comportamentais e genéticos para acelerar descobertas.
🧬TACA significa The Autism Clinical and Genetic Association study, e é um consórcio internacional criado para:
Combinar dados clínicos detalhados e genéticos de indivíduos com autismo,
e identificar padrões de correlação entre genótipo e fenótipo — ou seja, como certas variantes genéticas se manifestam em diferentes perfis clínicos do espectro.
Ele é liderado por grupos de pesquisa em Cambridge (Reino Unido), Harvard / Broad Institute (EUA) e centros europeus parceiros, e tem colaboração direta com a Simons Foundation (SPARK) e o iPSYCH dinamarquês.
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