Tratamentos emergentes no autismo e nas doenças raras
- Berenice Cunha Wilke
- 3 de out.
- 6 min de leitura
Atualizado: 4 de out.
🚀 Pesquisas e terapias emergentes no espectro autista e nas doenças raras
O Transtorno do Espectro Autista (TEA) e muitas doenças raras do neurodesenvolvimento compartilham mecanismos biológicos em comum — como mutações genéticas, alterações metabólicas e inflamação cerebral. Por isso, as pesquisas em novas terapias caminham juntas e podem beneficiar ambos os grupos de pacientes.
Além das terapias já reconhecidas no desenvolvimento, como o DIR/Floortime, que valoriza o vínculo afetivo e o brincar como ferramentas de aprendizagem, novas linhas de pesquisa buscam intervenções mais personalizadas.
🔬 A importância do diagnóstico genético
Grande parte das terapias emergentes depende da identificação de mutações específicas.
Exames como o exoma, o CGH-Array, a pesquisa da Síndrome do X Frágil ou painéis genéticos direcionados ajudam a descobrir a causa de muitos casos de TEA e também de doenças raras do neurodesenvolvimento.
Esse tipo de diagnóstico é fundamental porque abre portas para terapias mais personalizadas: desde a escolha de suplementos específicos, até a criação de “mini-cérebros” (organoides cerebrais) em laboratório, que permitem testar medicamentos diretamente em células derivadas do próprio paciente.
👉 Sem essa investigação genética, muitas dessas terapias não podem ser aplicadas, já que cada mutação tem efeitos diferentes no cérebro e exige estratégias próprias de cuidado.
💊 Medicamentos reaproveitados (Drug repurposing)
Pesquisadores avaliam medicamentos já aprovados para outras doenças em modelos de TEA e doenças raras.
🔹 Mini-cérebros (organoides cerebrais): estruturas produzidas em laboratório a partir de células-tronco do paciente, que reproduzem o funcionamento dos neurônios.
Permitem estudar como a mutação genética afeta o cérebro.
Possibilitam testar qual medicamento funciona melhor para aquele caso.
🔹 Exemplos em estudo:
Bumetanida (Burinex®), diurético avaliado por seu efeito no equilíbrio GABA/glutamato.
Memantina, usada no Alzheimer, testada em dificuldades de linguagem.
Sinvastatina e Lovastatina, medicamentos para colesterol, estudados em doenças raras como a Síndrome de Rett e a Neurofibromatose tipo 1; mostram potencial em reduzir inflamação cerebral e melhorar a função sináptica.
Outros fármacos contra epilepsia e inflamação também vêm sendo avaliados em síndromes genéticas ligadas ao autismo.
📍 Centros de pesquisa:
Radboud University – Holanda
UC San Diego – EUA
🧫 Terapias com células-tronco
As células-tronco mesenquimais, obtidas do cordão umbilical ou da medula óssea, estão sendo estudadas por sua capacidade de regular inflamações, modular o sistema imunológico e melhorar conexões cerebrais.
🔹 Síndrome de Rett: ensaios clínicos mostraram melhora em alguns aspectos de comunicação e comportamento após o uso de células-tronco derivadas do cordão umbilical.
🔹 Síndrome de Phelan-McDermid: estudos iniciais avaliam como essas células podem influenciar a função do gene SHANK3, que está relacionado a alterações sinápticas.
🔹 Atrofia Muscular Espinhal (AME): embora hoje o tratamento principal seja genético (nusinersena, onasemnogene), pesquisas experimentais investigam o uso de células-tronco como forma complementar de suporte à função neuromuscular.
📍 Centros de pesquisa:
Duke University – EUA
Beijing University – China
All India Institute of Medical Sciences – Índia
⚠️ Fora dos ensaios clínicos regulados, terapias com células-tronco não devem ser utilizadas comercialmente, pois ainda não há comprovação definitiva de segurança e eficácia a longo prazo.
🧬 Edição genética (CRISPR-Cas9)
A edição genética é uma das áreas mais promissoras da medicina de precisão. A técnica CRISPR-Cas9, conhecida como “tesoura genética”, permite corrigir mutações diretamente no DNA.
🔹 Deficiência severa de CPS1 (carbamoil-fosfato sintetase 1): recentemente ganhou destaque internacional o caso do bebê K.J. Muldoon, o primeiro a receber CRISPR in vivo para corrigir essa doença metabólica rara e letal do ciclo da ureia.
Antes do tratamento, a criança tinha risco extremo de morte precoce.
Após a intervenção, houve uma transformação clínica importante, mostrando pela primeira vez que é possível corrigir mutações metabólicas diretamente no fígado humano.
Esse avanço representa um marco histórico para as doenças raras graves, que antes não tinham alternativas terapêuticas.
Sobre esse marco, o Dr. Peter Marks, diretor do Center for Biologics Evaluation and Research (FDA), escreveu em editorial no New England Journal of Medicine:
“É, para mim, uma das tecnologias com maior potencial de transformação que existe.”
📌 Entenda a CRISPR
A CRISPR-Cas9 funciona como uma tesoura molecular.
🔹 Como age:
Uma “chave-guia” (RNA-guia) encontra a mutação no DNA.
A proteína Cas9 corta exatamente esse ponto defeituoso.
A célula, ao reparar o corte, pode corrigir o erro ou receber um pedaço de DNA saudável.
🔹 Por que é importante?
Ela permite tratar doenças na raiz, atuando diretamente no DNA.
🔹 Onde já foi aplicada:
Anemia falciforme e beta-talassemia → pacientes tratados com sucesso.
Doenças metabólicas raras, como a deficiência de CPS1 (caso K.J. Muldoon).
Autismo com mutações conhecidas (SHANK3, MECP2) → estudos em mini-cérebros e modelos animais.
⚠️ Limitações atuais:
Risco de cortes indesejados (“off-target”).
Uso restrito a ensaios clínicos controlados.
📍 Centros de pesquisa em CRISPR:
Broad Institute / MIT – EUA
Harvard Medical School – EUA
Chinese Academy of Sciences – China
⚠️ Atualmente, a edição genética com CRISPR ainda é restrita a ensaios clínicos altamente controlados, e não está disponível comercialmente.
🌱 Terapias personalizadas: metabolismo, microbiota e mitocôndrias
Algumas pessoas com TEA ou doenças raras apresentam alterações metabólicas, intestinais e celulares, que podem ser alvo de terapias personalizadas.
🔹 Microbiota intestinal: o desequilíbrio das bactérias do intestino pode impactar comportamento e cognição. Probióticos, prebióticos e dieta rica em fibras estão sendo testados como parte de protocolos terapêuticos.
🔹 Mutação no gene MTHFR: comum em TEA e doenças raras, dificulta o uso adequado do ácido fólico.
Nesses casos, o metilfolato ou o folinato de cálcio podem substituir o ácido fólico comum, favorecendo o metabolismo cerebral.
🔹 Reposição de nutrientes: em alguns casos, é necessária a suplementação de vitaminas e cofatores metabólicos — como ácido folínico, carnitina, coenzima Q10 e outros — que participam de processos de energia, desintoxicação e funcionamento neuronal.
🔹 Função mitocondrial: muitas pessoas com TEA e doenças raras apresentam alterações nas mitocôndrias, responsáveis por gerar energia nas células.
Estratégias personalizadas (como metil B12, carnitina, coenzima Q10, riboflavina e outros cofatores vitamínicos) são estudadas para melhorar a eficiência energética dos neurônios.
O suporte mitocondrial pode contribuir para maior vitalidade, melhor desempenho cognitivo e redução da fadiga.
🔹 Canabis medicinal: derivado da planta Cannabis sativa, vem sendo estudado como terapia complementar em TEA e doenças raras.
O CBD age no sistema endocanabinoide, que regula sono, humor, memória, dor e inflamação.
Ensaios clínicos mostraram benefícios principalmente em epilepsias de difícil controle, como as síndromes de Dravet e Lennox-Gastaut, que podem estar associadas ao autismo.
Também há estudos sobre seu efeito em ansiedade, insônia e irritabilidade.
O uso deve sempre ser individualizado e supervisionado por médicos, considerando dose, pureza do produto e formulação adequada.
📍 Centros de pesquisa:
Johns Hopkins – EUA
Massachusetts General Hospital – EUA
USP / Unicamp – Brasil
NYU Langone Health – EUA
University College London – Reino Unido
✅ Conclusão
As pesquisas em autismo e doenças raras apontam para um futuro de medicina personalizada:
Genética → entender a mutação é o primeiro passo.
Mini-cérebros → permitem testar drogas em laboratório antes de usá-las em pacientes.
Células-tronco → já mostram efeitos em síndromes como Rett.
CRISPR → oferece a possibilidade de corrigir mutações na origem.
Terapias personalizadas → incluem microbiota, suplementação genética (metilfolato, metil B12), suporte mitocondrial e CBD como opções promissoras.
👉 Embora ainda em fase de pesquisa, essas terapias trazem esperança para famílias e mostram que estamos avançando rumo a tratamentos mais específicos, seguros e eficazes.
🔬 Exemplos de laboratórios / empresas + colaborações acadêmicas relevantes
Nome / Entidade | Atuação / Colaboração | Observações relevantes |
CRISPR Therapeutics | Empresa de edição genética que firma parcerias com centros acadêmicos para desenvolver terapias baseadas em CRISPR | Por exemplo, colaboração com ViaCyte para terapias derivadas de células-tronco editadas via CRISPR em diabetes crisprtx.com |
Vertex Pharmaceuticals | Em parceria com CRISPR Therapeutics para terapias ex vivo combinando edição de gene e uso de células-tronco | Trabalharam na terapia exa-cel (exagamglogene autotemcel) para doenças de hemoglobina scispot.com |
Sanford Stem Cell Institute / UC San Diego | Centro de pesquisas translacionais e terapias celulares / genéticas | Hospeda laboratórios para desenvolvimento de terapias celulares e genéticas stemcells.ucsd.edu |
Innovative Genomics Institute (IGI) | Instituto de pesquisa dedicado à edição genética e colaborações com universidades | IGI participou do desenvolvimento da terapia CRISPR para o caso do bebê K.J. Muldoon de deficiência de CPS1 Wikipedia |
Harvard Stem Cell Institute (HSCI) | Laboratório acadêmico de células-tronco da Universidade de Harvard | Interface entre pesquisa básica e terapias celulares hsci.harvard.edu |
ViaCyte | Empresa de células-tronco / terapia celular que colabora com CRISPR Therapeutics | Trabalha em terapias de células-tronco editadas com CRISPR para diabetes crisprtx.com |

Sou Dra. Berenice Cunha Wilke, médica formada pela UNIFESP em 1981, com residência em Pediatria na UNICAMP. Obtive mestrado e doutorado em Nutrição Humana na Université de Nancy I, França, e sou especialista em Nutrologia pela Associação Médica Brasileira. Também tenho expertise em Medicina Tradicional Chinesa e uma Certificação Internacional em Endocannabinoid Medicine. Lecionei em universidades brasileiras e portuguesas, e atualmente atendo em meu consultório, oferecendo minha vasta experiência em medicina, nutrição e medicina tradicional chinesa aos pacientes.
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