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Homocisteína nas doenças psiquiátricas e neurológicas

  • Foto do escritor: Berenice Cunha Wilke
    Berenice Cunha Wilke
  • 10 de out. de 2023
  • 6 min de leitura

Atualizado: 23 de nov.

Por que esse marcador metabólico é tão importante para o cérebro?


A homocisteína é um aminoácido não presente nos alimentos — ele é produzido no organismo a partir do metabolismo da metionina, um aminoácido essencial encontrado em carnes, ovos, leite, leguminosas e outras fontes proteicas.


Ela funciona como um marcador central de diversas reações bioquímicas fundamentais para o metabolismo cerebral, incluindo:


1. Síntese de neurotransmissores

Envolve vias metabólicas essenciais para formar:• serotonina• dopamina e noradrenalina• acetilcolinaAlterações nessas vias relacionam-se a depressão, ansiedade, déficit de atenção e declínio cognitivo.


2. Síntese de melatonina

Além de regular o ciclo sono–vigília, a melatonina é um dos mais potentes antioxidantes neurológicos.


3. Produção de glutationa

A glutationa é o principal antioxidante cerebral, essencial na defesa contra estresse oxidativo e processos neuroinflamatórios.


4. Formação de creatinaA creatina participa da estabilidade energética neuronal, garantindo disponibilidade rápida de ATP — essencial em condições neuropsiquiátricas.


5. Metilação de DNA (epigenética)

A homocisteína é um elo direto com a produção da SAMe (S-adenosilmetionina), a molécula mais importante do organismo na doação de grupos metil.Essa metilação impacta:• expressão gênica• neuroplasticidade• desenvolvimento cerebral• metabolismo de neurotransmissores.


6. Integridade de membranas neuronais

Rotas dependentes de metilação são fundamentais para a síntese de fosfolipídios que compõem as membranas celulares e a bainha de mielina.


QUANDO A HOMOCISTEÍNA ESTÁ ALTA – O QUE ACONTECE?

O aumento da homocisteína é considerado um fator de risco independente para:

  • doenças cardiovasculares e cerebrovasculares

  • comprometimento cognitivo e demência

  • disfunção endotelial

  • inflamação sistêmica e neuroinflamação

  • estresse oxidativo aumentado

  • fragilidade óssea

  • risco gestacional (defeitos do tubo neural)


Do ponto de vista neurológico e psiquiátrico, o excesso de homocisteína:

✔ aumenta radicais livres

✔ reduz a disponibilidade de glutationa

✔ promove excitotoxicidade

✔ reduz a perfusão cerebral

✔ prejudica a função mitocondrial

✔ altera a síntese de neurotransmissores


DISFUNÇÃO MITOCONDRIAL E HOMOCISTEÍNA

Estudos recentes mostram que a homocisteína elevada:

  • prejudica o funcionamento da cadeia respiratória mitocondrial

  • reduz a produção de energia (ATP)

  • aumenta a formação de espécies reativas de oxigênio

  • piora a neuroinflamação


O cérebro, que consome cerca de 20% da energia corporal, é particularmente sensível à queda de produção energética.Assim, níveis altos de homocisteína podem agravar falhas energéticas já presentes em condições psiquiátricas e neurodegenerativas.


Homocisteína nas doenças psiquiátricas e neurológicas

A literatura atual associa a homocisteína elevada ao risco aumentado — e pior evolução — de vários transtornos:


1. Comprometimento cognitivo e demências

Uma Declaração de Consenso Internacional, baseada nos critérios de Bradford Hill, concluiu que a homocisteína elevada é um fator de risco modificável para:

• declínio cognitivo

• doença de Alzheimer

• demência em idosos


A redução da homocisteína com B6, B9, B12 e TMG mostrou desacelerar a atrofia cerebral em estudos com MRI.


2. Doença de Parkinson

Homocisteína elevada está associada a:• progressão mais rápida• pior função motora• maior neurodegeneração dopaminérgica.


3. Transtorno bipolar

Pacientes com transtorno bipolar, principalmente no período depressivo, frequentemente apresentam:• níveis elevados de homocisteína• redução de B12 e folato• polimorfismos em MTHFRAssociando-se a pior resposta terapêutica e maior risco de depressão recorrente.


4. Esquizofrenia

Níveis elevados contribuem para alterações estruturais e disfunção glutamatérgica.


5. Transtorno do Espectro Autista (TEA)

Diversos estudos mostram que crianças e adultos com TEA têm maior prevalência de:• homocisteína elevada• folato e B12 baixos• polimorfismos de MTHFR• deficiência no ciclo metilação–glutationaCondição associada ao aumento dos sintomas e pior funcionamento global.


6. Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade (TDAH)

A homocisteína elevada pode afetar a síntese de dopamina e noradrenalina, interferindo em atenção, motivação e impulsividade.


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Figura 1. Representação esquemática das vias do metabolismo da Hcy (DHFR = diidrofolato redutase; THF = tetraidrofolato; SHMT = serinahidroximetiltransferase; MTHF = metilenotetrahidrofolato; MTHFR = 5,10-metileno-THF redutase; ATP = adenosina trifosfato; MAT = metionina adenosiltransferase; ADP = adenosina difosfato; SAM = S -adenosilmetionina; SAH = S -adenosilHcy; BHMT = betaína-Hcy S -metiltransferase; CBS = cistationina β-sintase; CSE = cistationase; GSH = glutationa; H 2 S = sulfeto de hidrogênio).


COMO FUNCIONA O CICLO DA HOMOCISTEÍNA

A metionina, ingerida na alimentação, é transformada em homocisteína.Durante essa conversão, forma-se SAMe, o principal doador de radicais metil do organismo.

A homocisteína segue então por duas rotas principais:


1️⃣ Rota de REMETILAÇÃO (reciclagem para metionina)

Depende de:

  • Metilfolato (5-MTHF)

  • Vitamina B12 metilada

  • Enzima MTHFR

  • Enzima Metionina Sintase


Além disso, a homocisteína pode ser remetilada via betaína (TMG), especialmente no fígado, rins e coração.


Fontes de TMG:• espinafre• beterraba• frutos do mar• gérmen de trigo• quinoa• leguminosas.


2️⃣ Rota da TRANSULFURAÇÃO (conversão em cisteína)

Depende da enzima cistationina β-sintase (CBS) e da vitamina B6.


É nesta rota que ocorre:

  • formação de cisteína

  • síntese de glutationa (antioxidante central do cérebro)


Portanto, níveis inadequados de B6 reduzem a capacidade do organismo de formar glutationa, aumentando o estresse oxidativo.


POR QUE ESSE TEMA IMPORTA NA PSIQUIATRIA MODERNA?

Porque a homocisteína é, ao mesmo tempo:

• marcador metabólico• marcador epigenético• marcador inflamatório• marcador de status antioxidante• marcador de função mitocondrial


E a maioria dos transtornos neuropsiquiátricos envolve disfunção energética, inflamatória e de neurotransmissores — exatamente as vias em que a homocisteína participa.


🌿 Homocisteína: Doses Ideais, Polimorfismos MTHFR e Como Otimizar Sua Metilação


🎯 Quais são os valores ideais de homocisteína?

Embora muitos laboratórios considerem “normal” valores até 15 μmol/L, a literatura neurológica e psiquiátrica mostra que níveis ideais para o cérebro são bem mais baixos:

  • Ideal: 6 a 8 μmol/L

  • Aceitável: < 10 μmol/L

  • Aumenta risco neurológico: > 12 μmol/L

  • Aumenta risco cardiovascular: > 15 μmol/L


Pesquisas de neuroimagem mostram que níveis entre 6 e 8 μmol/L estão associados a menor atrofia cerebral e melhor desempenho cognitivo em idosos.


🧬 Polimorfismos MTHFR: por que eles importam?

O gene MTHFR é responsável por transformar o ácido fólico/folato em sua forma ativa, o metilfolato (5-MTHF), essencial para criar neurotransmissores, manter a saúde cerebral e reciclar a homocisteína.


Os dois polimorfismos mais estudados são C677T e A1298C.


🧩 MTHFR C677T – o mais importante para a homocisteína

Ele reduz a capacidade do corpo de converter folato em metilfolato.

Genótipo

Atividade da enzima

Impacto

C/C

100%

Metilação normal

C/T

60–70%

redução moderada

T/T

20–30%

redução importante

Quem tem C677T, especialmente T/T:

  • produz menos metilfolato

  • tende a ter homocisteína mais alta

  • pode ter maior risco de depressão, ansiedade, TEA e TDAH

  • responde melhor à suplementação com metilfolato (não ácido fólico)


🧩 MTHFR A1298C – mais ligado ao sistema dopaminérgico

Afeta menos a homocisteína, mas reduz a produção de BH4, cofator necessário para produzir dopamina, noradrenalina e serotonina.

Quem tem A1298C pode apresentar:

  • irritabilidade

  • ansiedade

  • pouca energia

  • baixa tolerância ao estresse

  • dificuldade de foco


A suplementação com metilfolato, B12, B6 e NAC/glicina costuma ajudar muito.


🔄 Genótipo Composto (C677T + A1298C)

A combinação aumenta o impacto na metilação e na produção de neurotransmissores.

Essas pessoas geralmente:

  • têm maior tendência a homocisteína alta

  • são mais sensíveis a estresse e inflamação

  • se beneficiam enormemente de metilfolato + B12 + TMG + P5P


💊Principais suplemento para reduzir a homocisteína e melhorar a metilação


1️⃣ Metilfolato (5-MTHF) – a forma ativa do folato

Indispensável para quem tem MTHFR e para reduzir a homocisteína.


2️⃣ Vitamina B12 (metilcobalamina)

Trabalha em conjunto com o metilfolato na mesma via metabólica.


3️⃣ Vitamina B6 (P5P – piridoxal-5-fosfato)

Essencial para a via de transulfuração e a produção de glutationa.


4️⃣ TMG (Betaína)

Atua como uma rota paralela de remetilação, especialmente útil em MTHFR.


5️⃣ NAC + Glicina (GlyNAC)

Suporte potente para glutationa, mitocôndrias e redução de estresse oxidativo.


6️⃣ SAMe (S-adenosilmetionina)

É a molécula universal de metilação — melhora humor, cognição e energia.


🌱 Conclusão

A homocisteína é um dos marcadores mais completos da saúde cerebral e metabólica. Ao mesmo tempo em que reflete o estado da metilação, também indica:

  • status antioxidante

  • inflamação

  • função mitocondrial

  • capacidade de reparo neuronal


Compreender suas rotas, seus cofatores e os polimorfismos MTHFR permite uma abordagem mais precisa, personalizada e eficaz para condições como depressão, TDAH, bipolaridade, TEA, fadiga e declínio cognitivo.

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Sou Dra. Berenice Cunha Wilke, médica formada pela UNIFESP em 1981, com residência em Pediatria na UNICAMP. Obtive mestrado e doutorado em Nutrição Humana na Université de Nancy I, França, e sou especialista em Nutrologia pela Associação Médica Brasileira. Também tenho expertise em Medicina Tradicional Chinesa e uma certificação internacional em Endocannabinoid Medicine. Lecionei em universidades brasileiras e portuguesas, e atualmente atendo em meu consultório, oferecendo minha vasta experiência em medicina, nutrição e medicina tradicional chinesa aos pacientes.




Para saber mais:


Kaplan P, Tatarkova Z, Sivonova MK, Racay P, Lehotsky J.

Int J Mol Sci. 2020 Oct 18;21(20):7698.


Smith AD, Refsum H, Bottiglieri T, Fenech M, Hooshmand B, McCaddon A, Miller JW, Rosenberg IH, Obeid R.

J Alzheimers Dis. 2018;62(2):561-570.


Fan X, Zhang L, Li H, Chen G, Qi G, Ma X, Jin Y.

Ann Clin Transl Neurol. 2020 Nov;7(11):2332-2338.



Yektaş Ç, Alpay M, Tufan AE.

Neuropsychiatr Dis Treat. 2019 Aug 6;15:2213-2219.


Elevated homocysteine and depression outcomes in patients with comorbid medical conditions in rural primary care.Srinivasan K, Salazar LJ, Heylen E, Ekstrand ML.Int J Noncommun Dis. 2022 Apr-Jun;7(2):95-97


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