OBESIDADE - MUITO ALÉM DAS CALORIAS
- Berenice Cunha Wilke
- 27 de ago.
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Antes de 1990, as dietas de baixa caloria eram a principal recomendação para perda de peso. A lógica era simples: reduzir calorias para emagrecer. No entanto, no mundo real, essa abordagem raramente funcionava a longo prazo. Após algumas semanas, surgiam fome, cansaço, irritabilidade e, pior, uma queda no metabolismo basal — o corpo passava a gastar menos energia para se proteger da escassez. Com isso, o peso perdido voltava rapidamente, muitas vezes em níveis ainda maiores - efeito sanfona.
Nos anos 1990, nos EUA, surgiu com força a onda das dietas de baixa gordura. O raciocínio era de que a gordura tem mais que o dobro de calorias por grama em relação aos carboidratos e proteínas, logo, cortá-la seria uma forma eficaz de restringir calorias. O governo americano investiu pesadamente nessa orientação, que se tornou base da pirâmide alimentar da época. O consumo de gordura caiu de cerca de 40% para 30% do total calórico. Mas a obesidade não diminuiu — pelo contrário, continuou crescendo.
O problema é que essas dietas cortavam gordura, mas aumentavam o consumo de carboidratos refinados. Esse tipo de carboidrato provoca picos de glicose no sangue e estimula a liberação de insulina, hormônio que deposita energia nas células adiposas e dificulta o uso da gordura armazenada.
O papel da insulina na obesidade
Depois das refeições, o organismo precisa decidir se vai utilizar ou armazenar a energia dos alimentos. Esse processo depende de fatores como hormônios, genes e tipo de alimento ingerido.
Quando a insulina está elevada, mais energia vai para o tecido adiposo, restando menos para o corpo funcionar.
O cérebro percebe essa falta de energia e reage liberando sinais que aumentam a fome e reduzem o gasto metabólico.
Assim, forma-se um ciclo vicioso de ganho de peso.
Os carboidratos altamente refinados (pães, bolachas, biscoitos, doces, cereais matinais, sucos e refrigerantes) estão no centro desse problema, porque são os que mais aumentam a insulina. Dessa forma, em muitos casos, a obesidade não é apenas resultado de excesso calórico, mas sim de um desequilíbrio do hormônio insulina.
A importância das fibras
Vários estudos têm demonstrado o papel fundamental das fibras na saúde, no bem-estar e na manutenção de um peso saudável.
Uma meta-análise de 185 estudos, envolvendo mais de 135 milhões de pessoas, mostrou uma relação clara: quanto maior o consumo de fibras, menor o risco de doenças e até da mortalidade por todas as causas.
Os melhores resultados foram observados com um consumo diário entre 25 e 29 g de fibras:
Redução do peso corporal;
Menor risco de doenças cardiovasculares e cerebrovasculares;
Redução da hipertensão arterial, do diabetes, do câncer de cólon e de mama.
Mesmo aumentos menores já trazem benefícios. A cada 8 g a mais de fibras (o equivalente a 2–3 porções de frutas ou ½ xícara de feijão), observou-se:
19% menos eventos cardiovasculares;
15% menos diabetes;
7% menos mortalidade;
8% menos câncer de cólon.
Dietas como a Mediterrânea, a DASH e as baseadas em plantas são naturalmente ricas em fibras, pois incluem verduras, legumes, frutas e grãos integrais.
Além disso, as fibras favorecem um microbioma intestinal mais saudável, que participa de diversos mecanismos ligados ao aumento da saciedade, melhor metabolismo e manutenção do peso.
O papel da microbiota intestinal
A ciência moderna mostra que a microbiota intestinal também participa desse processo. O desequilíbrio da flora intestinal pode agravar a resistência à insulina e dificultar tanto a perda quanto a manutenção do peso. Esse é um dos motivos pelos quais duas pessoas que comem de forma semelhante podem ter resultados muito diferentes.
O papel da genética
Outra explicação está na genética. Algumas pessoas engordam mais com carboidratos; outras, com gorduras. Entre os genes estudados, o CLTCL1 se destaca. Ele codifica a proteína clatrina CHC22, que regula o transporte de glicose para dentro das células após as refeições.
Uma pesquisa conjunta de ingleses e americanos (2019) levantou a hipótese de que a variante V1316 desse gene favorecia o metabolismo de dietas ricas em carboidratos, como as dos agricultores.
Já a variante M1316 era mais comum entre caçadores-coletores, cuja dieta tinha menos carboidratos e mais proteínas.
Pessoas que herdaram um alelo de cada variante poderiam metabolizar melhor diferentes tipos de alimentos, o que lhes dava vantagem evolutiva.
Atualmente, essas variantes continuam presentes na população. Isso explica, em parte, porque algumas pessoas têm maior facilidade de ganhar peso ou desenvolver diabetes, mesmo consumindo refeições semelhantes às de outras.
Resumindo
A obesidade é um fenômeno complexo, que envolve muito mais do que “comer demais”. Fatores como histórico alimentar, tipo de dieta, insulina, teor de fibras, microbiota intestinal e genética interagem de forma decisiva no metabolismo.
Para reverter esse quadro e conquistar um peso saudável e sustentável, é essencial reduzir a insulina e apoiar o corpo com bons hábitos:
Preferir alimentos de baixo índice glicêmico e ricos em fibras;
Comer até se sentir satisfeito, sem restrições extremas;
Praticar atividades físicas prazerosas;
Garantir sono adequado e controlar o estresse.
Essa abordagem ajuda a quebrar o ciclo da fome, da inflamação e da resistência insulínica, promovendo não apenas emagrecimento, mas saúde integral e duradoura.

Sou Dra. Berenice Cunha Wilke, médica formada pela UNIFESP em 1981, com residência em Pediatria na UNICAMP. Obtive mestrado e doutorado em Nutrição Humana na Université de Nancy I, França, e sou especialista em Nutrologia pela Associação Médica Brasileira. Também tenho expertise em Medicina Tradicional Chinesa e uma Certificação Internacional em Endocannabinoid Medicine. Lecionei em universidades brasileiras e portuguesas, e atualmente atendo em meu consultório, oferecendo minha vasta experiência em medicina, nutrição e medicina tradicional chinesa aos pacientes.
Para saber mais:
Matteo Fumagalli er all
Elife. 2019 Jun 4;8:e41517.
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