Intolerância à Histamina: Quando o Corpo Produz Mais do que Consegue Metabolizar
- Berenice Cunha Wilke
- há 2 dias
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Muitas pessoas convivem por anos com sintomas como enxaqueca após vinho, coceira depois de comer tomate ou desconforto intestinal após banana — sem imaginar que o problema pode ser a histamina, e não uma alergia alimentar.
A intolerância à histamina é uma condição ainda pouco reconhecida, mas que vem ganhando destaque na literatura científica devido à sua relação com sintomas digestivos, dermatológicos, neurológicos, respiratórios e até hormonais.
1. O que é histamina?
A histamina é uma amina biogênica, uma pequena molécula produzida pelo próprio corpo, por bactérias intestinais e presente em diversos alimentos.
Ela é produzida por:
nosso organismo – principalmente em mastócitos, neurônios e células gástricas
microbiota intestinal – algumas bactérias convertem histidina em histamina
alimentos – especialmente fermentados, envelhecidos ou mal armazenados
Apesar da “má fama”, a histamina é fundamental para vários sistemas:
Sistema imune: participa da resposta inflamatória e das reações alérgicas.
Sistema nervoso central: influencia alerta, atenção, humor e ciclos sono–vigília.
Sistema digestivo: estimula a secreção de ácido gástrico.
Sistema cardiovascular: provoca vasodilatação, rubor e alterações de pressão.
Ou seja: a histamina não é vilã. O problema começa quando a quantidade de histamina (e de outras aminas biogênicas) ultrapassa a capacidade do corpo de metabolizá-las.
2. O que é intolerância à histamina?
Chamamos de intolerância à histamina a condição em que há um excesso de histamina circulante, porque a soma de:
histamina produzida pelo corpo
histamina produzida pela microbiota
histamina e outras aminas presentes na dieta
é maior do que a capacidade de degradação do organismo.
Isso ocorre, em geral, por dois motivos:
A) Produção/ingestão aumentadas
dieta rica em alimentos histamínicos (vinho, queijos curados, embutidos, fermentados)
microbiota intestinal produtora de histamina
permeabilidade intestinal aumentada (leaky gut)
estresse crônico
consumo frequente de álcool
dieta moderna rica em industrializados e pobre em fibras
B) Capacidade de metabolismo reduzida
baixa atividade da enzima DAO e ou da enzima HNMT que metabolizam a histamina no organismo
variantes genéticas em AOC1, HNMT, MTHFR, MAOB, ALDH2
inflamação intestinal (doença celíaca, sensibilidade ao glúten, doença inflamatória intestinal)
deficiências nutricionais (cofatores da DAO / metilação)
uso de medicamentos que inibem DAO
estrogênio elevado (especialmente na TPM e perimenopausa)
Quando esse equilíbrio se rompe, a histamina se acumula e surgem sintomas em diferentes órgãos.
3. Como o corpo metaboliza histamina (DAO, HNMT e microbiota)
O organismo conta com duas enzimas principais para degradar a histamina:
DAO (Diamina Oxidase)
Atua principalmente no intestino, fora das células.
É responsável por degradar a histamina vinda da alimentação e de outras aminas biogênicas.
Produzida nos enterócitos maduros das vilosidades intestinais.
Qualquer dano de mucosa (inflamação, atrofia, permeabilidade) tende a reduzir sua atividade.
HNMT (Histamina-N-Metiltransferase)
Atua dentro das células, principalmente no cérebro, fígado e pulmões.
Metaboliza sobretudo a histamina endógena (a que o próprio corpo produz).
Depende de um bom estado de metilação, envolvendo folato, B12, B6 e MTHFR.
Quando DAO e/ou HNMT estão comprometidas — por genética, inflamação, falta de cofatores ou sobrecarga — a histamina não é eliminada na velocidade adequada, e os níveis se elevam.
Além disso, a microbiota intestinal participa ativamente desse equilíbrio:
algumas bactérias produzem histamina
outras ajudam a proteger a mucosa e reduzir inflamação
a permeabilidade intestinal facilita a passagem da histamina para a circulação
4. Alimentos, aminas biogênicas e carga total de histamina
Na prática clínica, não lidamos apenas com “histamina isolada”, e sim com a carga total de aminas biogênicas presentes na dieta, que competem pelas mesmas vias de degradação (especialmente a DAO).
Além da histamina, outras aminas importantes são:
tiramina
putrescina
cadaverina
espermidina / espermina
triptemina
Por isso, alguns alimentos que apresentam baixo teor de histamina em laboratório ainda assim provocam sintomas, porque são ricos em outras aminas.
📊 Tabela resumida – impacto dos alimentos na histamina
Categoria | Exemplos de alimentos | Comentário clínico |
Muito ricos em HISTAMINA | Queijos curados e envelhecidos (parmesão, gorgonzola, brie); queijos ralados; embutidos (salame, presunto cru, pepperoni, linguiça curada); carnes defumadas; molhos fermentados (shoyu, missô, molho inglês); chucrute, kimchi; kefir; kombucha; vinagre; peixes não frescos (atum, anchova, sardinha, cavala, arenque); mariscos | Tendem a desencadear sintomas mesmo em pequenas quantidades em pessoas sensíveis. |
Moderados em HISTAMINA | Tomate e molhos de tomate; berinjela; espinafre; cogumelos; abacate; chocolate e cacau; nozes, amendoim; chás preto, verde e mate | Podem ser bem tolerados por alguns e gatilhos relevantes para outros. |
LIBERADORES de histamina | Morango; frutas cítricas (laranja, limão, tangerina, abacaxi); clara de ovo; álcool; muitos ultraprocessados com aditivos | Não contêm muita histamina, mas estimulam mastócitos a liberar histamina. |
Ricos em OUTRAS AMINAS (mesmo com pouca histamina) | Banana (putrescina + tiramina); mamão (putrescina + espermidina); abacaxi (putrescina + triptemina); frutas muito maduras (putrescina elevada); tomate (putrescina); abacate (tiramina + putrescina) | Sintomas pela competição de aminas pela DAO; muito relevantes na prática. |
Baixa histamina (geralmente bem tolerados) | Carnes frescas (consumidas no mesmo dia); frango fresco; ovos frescos (quando tolerados); arroz; quinoa; mandioca; batata e batata-doce; brócolis; cenoura; abobrinha; pepino; maçã; pera; melão; uva; pêssego; azeite; ervas frescas | Base da dieta low-histamine. O modo de preparo e o armazenamento continuam importantes. |
🔹 Ponto-chave: Mesmo quando a histamina medida é baixa, a soma de histamina + outras aminas biogênicas + alimentos liberadores pode ser suficiente para desencadear sintomas em pessoas com DAO/HNMT comprometidas.
5. Sintomas da intolerância à histamina (por sistema)
A histamina age em receptores H1, H2, H3 e H4 em todo o corpo, o que explica a enorme variedade de sintomas.
H1 = alergia, pele, vias aéreas, sono-vigília
H2 = estômago, ácido gástrico, sistema cardiovascular
H3 = cérebro, neurotransmissores, atenção
H4 = imunidade, inflamação, doenças autoimunes
📊 Tabela – Sintomas da Intolerância à Histamina por Sistema
Sistema | Principais sintomas |
Pele | Coceira • Urticária • Rubor • Dermatite flutuante • Piora da dermatite atópica |
Gastrointestinal | Distensão • Gases • Náuseas • Dor abdominal • Diarreia • Alternância diarreia/constipação • Refluxo |
Neurológico | Enxaqueca • Dor de cabeça pulsátil • Tontura • Névoa mental • Irritabilidade • Ansiedade • Insônia |
Respiratório | Congestão nasal • Espirros • Rinorreia • Asma leve |
Cardiovascular | Palpitações • Taquicardia • Queda de pressão • Flush (calor súbito) |
Hormonal | Piora na TPM • Intensificação na perimenopausa • Sensibilidade a estrogênio elevado |
6. Intolerância à histamina x alergia alimentar: qual a diferença?
Os sintomas podem ser parecidos, mas os mecanismos são distintos.
Intolerância à histamina
não envolve IgE
é dose-dependente (quanto mais carga de aminas, mais sintomas)
sintomas podem demorar horas para surgir
variam conforme microbiota, hormônios, estresse, sono
exames de alergia podem vir normais
melhora com dieta baixa em histamina e correção de fatores de base
Alergia alimentar (IgE mediada)
envolve IgE específica contra determinado alimento
reações geralmente imediatas e potencialmente graves
pequenas quantidades já desencadeiam sintomas intensos
exames de IgE específica podem ser positivos
Na intolerância à histamina, o problema é metabólico/inflamatório, não imunológico clássico.
7. Quem tem maior risco de intolerância à histamina?
pessoas com disbiose intestinal
indivíduos com permeabilidade intestinal aumentada
mulheres na TPM ou perimenopausa
portadores de variantes em AOC1, HNMT, MTHFR, MAOB, ALDH2
pacientes com dermatite atópica, alergias, enxaqueca crônica
usuários frequentes de álcool
pessoas com dieta rica em fermentados, queijos curados, embutidos, industrializados
usuários de probióticos que contenham cepas produtoras de histamina
pacientes com SIBO, especialmente SIBO de hidrogênio ou misto
8. Por que esse assunto está ganhando tanta importância?
Pelos seguintes motivos:
entendemos melhor hoje o papel da microbiota na produção de histamina
a permeabilidade intestinal está mais comum na população
a dieta moderna é mais rica em histamina e outras aminas
fatores ambientais (estresse, álcool, industrializados, sono ruim) aumentam a expressão de sintomas
pacientes estão mais atentos, e os médicos, mais sensíveis a esse diagnóstico
Por isso, a intolerância à histamina vem sendo reconhecida como uma condição comum, porém subdiagnosticada.
Conclusão
A intolerância à histamina é um distúrbio multifatorial, que envolve:
alimentação (histamina, outras aminas e alimentos liberadores)
microbiota intestinal
integridade da mucosa
genética (polimorfismos em enzimas-chave)
hormônios
estilo de vida
Não existe um único exame que confirme definitivamente o diagnóstico.Na prática, a combinação de:
história clínica
padrão de sintomas
resposta a uma dieta reduzida em histamina e outras aminas
avaliação da microbiota e da permeabilidade
é o que ajuda a identificar os casos.
Post 2: Por que a intolerância à histamina está aumentando?
Post 3: Como Diagnosticar a Intolerância à Histamina: O Guia Completo dos Exames.
Post 4: Microbiota e Histamina: As Bactérias que Disparam os Sintomas
Post 5: Intolerância à Histamina: Como Pensamos o Tratamento Hoje
Post 6: Intolerância à Histamina em Crianças: Quando a Sensibilidade Começa Cedo

Figura 1 - Alimentos ricos em histamina. Observação- esse estudo NÃO avaliou outras aminas biogênicas, como tiramina, putrescina, cadaverina, espermina, encontradas em alimentos como banana, mamão e abacaxi.
Sou Dra. Berenice Cunha Wilke, médica formada pela UNIFESP em 1981, com residência em Pediatria na UNICAMP. Obtive mestrado e doutorado em Nutrição Humana na Université de Nancy I, França, e sou especialista em Nutrologia pela Associação Médica Brasileira. Também tenho expertise em Medicina Tradicional Chinesa e uma Certificação Internacional em Endocannabinoid Medicine. Lecionei em universidades brasileiras e portuguesas, e atualmente atendo em meu consultório, oferecendo minha vasta experiência em medicina, nutrição e medicina tradicional chinesa aos pacientes.
Para saber mais:
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