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Intolerância à Histamina: Quando o Corpo Produz Mais do que Consegue Metabolizar

  • Foto do escritor: Berenice Cunha Wilke
    Berenice Cunha Wilke
  • há 2 dias
  • 7 min de leitura

Muitas pessoas convivem por anos com sintomas como enxaqueca após vinho, coceira depois de comer tomate ou desconforto intestinal após banana — sem imaginar que o problema pode ser a histamina, e não uma alergia alimentar.


A intolerância à histamina é uma condição ainda pouco reconhecida, mas que vem ganhando destaque na literatura científica devido à sua relação com sintomas digestivos, dermatológicos, neurológicos, respiratórios e até hormonais.


1. O que é histamina?

A histamina é uma amina biogênica, uma pequena molécula produzida pelo próprio corpo, por bactérias intestinais e presente em diversos alimentos.


Ela é produzida por:

  • nosso organismo – principalmente em mastócitos, neurônios e células gástricas

  • microbiota intestinal – algumas bactérias convertem histidina em histamina

  • alimentos – especialmente fermentados, envelhecidos ou mal armazenados


Apesar da “má fama”, a histamina é fundamental para vários sistemas:

  • Sistema imune: participa da resposta inflamatória e das reações alérgicas.

  • Sistema nervoso central: influencia alerta, atenção, humor e ciclos sono–vigília.

  • Sistema digestivo: estimula a secreção de ácido gástrico.

  • Sistema cardiovascular: provoca vasodilatação, rubor e alterações de pressão.


Ou seja: a histamina não é vilã. O problema começa quando a quantidade de histamina (e de outras aminas biogênicas) ultrapassa a capacidade do corpo de metabolizá-las.


2. O que é intolerância à histamina?

Chamamos de intolerância à histamina a condição em que há um excesso de histamina circulante, porque a soma de:

  • histamina produzida pelo corpo

  • histamina produzida pela microbiota

  • histamina e outras aminas presentes na dieta

é maior do que a capacidade de degradação do organismo.


Isso ocorre, em geral, por dois motivos:

A) Produção/ingestão aumentadas

  • dieta rica em alimentos histamínicos (vinho, queijos curados, embutidos, fermentados)

  • microbiota intestinal produtora de histamina

  • permeabilidade intestinal aumentada (leaky gut)

  • estresse crônico

  • consumo frequente de álcool

  • dieta moderna rica em industrializados e pobre em fibras


B) Capacidade de metabolismo reduzida

  • baixa atividade da enzima DAO e ou da enzima HNMT que metabolizam a histamina no organismo

  • variantes genéticas em AOC1, HNMT, MTHFR, MAOB, ALDH2

  • inflamação intestinal (doença celíaca, sensibilidade ao glúten, doença inflamatória intestinal)

  • deficiências nutricionais (cofatores da DAO / metilação)

  • uso de medicamentos que inibem DAO

  • estrogênio elevado (especialmente na TPM e perimenopausa)


Quando esse equilíbrio se rompe, a histamina se acumula e surgem sintomas em diferentes órgãos.


3. Como o corpo metaboliza histamina (DAO, HNMT e microbiota)

O organismo conta com duas enzimas principais para degradar a histamina:


DAO (Diamina Oxidase)

  • Atua principalmente no intestino, fora das células.

  • É responsável por degradar a histamina vinda da alimentação e de outras aminas biogênicas.

  • Produzida nos enterócitos maduros das vilosidades intestinais.

  • Qualquer dano de mucosa (inflamação, atrofia, permeabilidade) tende a reduzir sua atividade.


HNMT (Histamina-N-Metiltransferase)

  • Atua dentro das células, principalmente no cérebro, fígado e pulmões.

  • Metaboliza sobretudo a histamina endógena (a que o próprio corpo produz).

  • Depende de um bom estado de metilação, envolvendo folato, B12, B6 e MTHFR.


Quando DAO e/ou HNMT estão comprometidas — por genética, inflamação, falta de cofatores ou sobrecarga — a histamina não é eliminada na velocidade adequada, e os níveis se elevam.


Além disso, a microbiota intestinal participa ativamente desse equilíbrio:

  • algumas bactérias produzem histamina

  • outras ajudam a proteger a mucosa e reduzir inflamação

  • a permeabilidade intestinal facilita a passagem da histamina para a circulação


4. Alimentos, aminas biogênicas e carga total de histamina

Na prática clínica, não lidamos apenas com “histamina isolada”, e sim com a carga total de aminas biogênicas presentes na dieta, que competem pelas mesmas vias de degradação (especialmente a DAO).


Além da histamina, outras aminas importantes são:

  • tiramina

  • putrescina

  • cadaverina

  • espermidina / espermina

  • triptemina


Por isso, alguns alimentos que apresentam baixo teor de histamina em laboratório ainda assim provocam sintomas, porque são ricos em outras aminas.


📊 Tabela resumida – impacto dos alimentos na histamina

Categoria

Exemplos de alimentos

Comentário clínico

Muito ricos em HISTAMINA

Queijos curados e envelhecidos (parmesão, gorgonzola, brie); queijos ralados; embutidos (salame, presunto cru, pepperoni, linguiça curada); carnes defumadas; molhos fermentados (shoyu, missô, molho inglês); chucrute, kimchi; kefir; kombucha; vinagre; peixes não frescos (atum, anchova, sardinha, cavala, arenque); mariscos

Tendem a desencadear sintomas mesmo em pequenas quantidades em pessoas sensíveis.

Moderados em HISTAMINA

Tomate e molhos de tomate; berinjela; espinafre; cogumelos; abacate; chocolate e cacau; nozes, amendoim; chás preto, verde e mate

Podem ser bem tolerados por alguns e gatilhos relevantes para outros.

LIBERADORES de histamina

Morango; frutas cítricas (laranja, limão, tangerina, abacaxi); clara de ovo; álcool; muitos ultraprocessados com aditivos

Não contêm muita histamina, mas estimulam mastócitos a liberar histamina.

Ricos em OUTRAS AMINAS (mesmo com pouca histamina)

Banana (putrescina + tiramina); mamão (putrescina + espermidina); abacaxi (putrescina + triptemina); frutas muito maduras (putrescina elevada); tomate (putrescina); abacate (tiramina + putrescina)

Sintomas pela competição de aminas pela DAO; muito relevantes na prática.

Baixa histamina (geralmente bem tolerados)

Carnes frescas (consumidas no mesmo dia); frango fresco; ovos frescos (quando tolerados); arroz; quinoa; mandioca; batata e batata-doce; brócolis; cenoura; abobrinha; pepino; maçã; pera; melão; uva; pêssego; azeite; ervas frescas

Base da dieta low-histamine. O modo de preparo e o armazenamento continuam importantes.

🔹 Ponto-chave: Mesmo quando a histamina medida é baixa, a soma de histamina + outras aminas biogênicas + alimentos liberadores pode ser suficiente para desencadear sintomas em pessoas com DAO/HNMT comprometidas.


5. Sintomas da intolerância à histamina (por sistema)

A histamina age em receptores H1, H2, H3 e H4 em todo o corpo, o que explica a enorme variedade de sintomas.


H1 = alergia, pele, vias aéreas, sono-vigília

  • H2 = estômago, ácido gástrico, sistema cardiovascular

  • H3 = cérebro, neurotransmissores, atenção

  • H4 = imunidade, inflamação, doenças autoimunes


📊 Tabela – Sintomas da Intolerância à Histamina por Sistema

Sistema

Principais sintomas

Pele

Coceira • Urticária • Rubor • Dermatite flutuante • Piora da dermatite atópica

Gastrointestinal

Distensão • Gases • Náuseas • Dor abdominal • Diarreia • Alternância diarreia/constipação • Refluxo

Neurológico

Enxaqueca • Dor de cabeça pulsátil • Tontura • Névoa mental • Irritabilidade • Ansiedade • Insônia

Respiratório

Congestão nasal • Espirros • Rinorreia • Asma leve

Cardiovascular

Palpitações • Taquicardia • Queda de pressão • Flush (calor súbito)

Hormonal

Piora na TPM • Intensificação na perimenopausa • Sensibilidade a estrogênio elevado


6. Intolerância à histamina x alergia alimentar: qual a diferença?

Os sintomas podem ser parecidos, mas os mecanismos são distintos.


Intolerância à histamina

  • não envolve IgE

  • é dose-dependente (quanto mais carga de aminas, mais sintomas)

  • sintomas podem demorar horas para surgir

  • variam conforme microbiota, hormônios, estresse, sono

  • exames de alergia podem vir normais

  • melhora com dieta baixa em histamina e correção de fatores de base


Alergia alimentar (IgE mediada)

  • envolve IgE específica contra determinado alimento

  • reações geralmente imediatas e potencialmente graves

  • pequenas quantidades já desencadeiam sintomas intensos

  • exames de IgE específica podem ser positivos


Na intolerância à histamina, o problema é metabólico/inflamatório, não imunológico clássico.


7. Quem tem maior risco de intolerância à histamina?

  • pessoas com disbiose intestinal

  • indivíduos com permeabilidade intestinal aumentada

  • mulheres na TPM ou perimenopausa

  • portadores de variantes em AOC1, HNMT, MTHFR, MAOB, ALDH2

  • pacientes com dermatite atópica, alergias, enxaqueca crônica

  • usuários frequentes de álcool

  • pessoas com dieta rica em fermentados, queijos curados, embutidos, industrializados

  • usuários de probióticos que contenham cepas produtoras de histamina

  • pacientes com SIBO, especialmente SIBO de hidrogênio ou misto


8. Por que esse assunto está ganhando tanta importância?

Pelos seguintes motivos:

  • entendemos melhor hoje o papel da microbiota na produção de histamina

  • a permeabilidade intestinal está mais comum na população

  • a dieta moderna é mais rica em histamina e outras aminas

  • fatores ambientais (estresse, álcool, industrializados, sono ruim) aumentam a expressão de sintomas

  • pacientes estão mais atentos, e os médicos, mais sensíveis a esse diagnóstico


Por isso, a intolerância à histamina vem sendo reconhecida como uma condição comum, porém subdiagnosticada.


Conclusão

A intolerância à histamina é um distúrbio multifatorial, que envolve:

  • alimentação (histamina, outras aminas e alimentos liberadores)

  • microbiota intestinal

  • integridade da mucosa

  • genética (polimorfismos em enzimas-chave)

  • hormônios

  • estilo de vida


Não existe um único exame que confirme definitivamente o diagnóstico.Na prática, a combinação de:

  • história clínica

  • padrão de sintomas

  • resposta a uma dieta reduzida em histamina e outras aminas

  • avaliação da microbiota e da permeabilidade

é o que ajuda a identificar os casos.


  • Post 2: Por que a intolerância à histamina está aumentando?

  • Post 3: Como Diagnosticar a Intolerância à Histamina: O Guia Completo dos Exames.

  • Post 4: Microbiota e Histamina: As Bactérias que Disparam os Sintomas

  • Post 5: Intolerância à Histamina: Como Pensamos o Tratamento Hoje

  • Post 6: Intolerância à Histamina em Crianças: Quando a Sensibilidade Começa Cedo


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Figura 1 - Alimentos ricos em histamina. Observação- esse estudo NÃO avaliou outras aminas biogênicas, como tiramina, putrescina, cadaverina, espermina, encontradas em alimentos como banana, mamão e abacaxi.




Sou Dra. Berenice Cunha Wilke, médica formada pela UNIFESP em 1981, com residência em Pediatria na UNICAMP. Obtive mestrado e doutorado em Nutrição Humana na Université de Nancy I, França, e sou especialista em Nutrologia pela Associação Médica Brasileira. Também tenho expertise em Medicina Tradicional Chinesa e uma Certificação Internacional em Endocannabinoid Medicine. Lecionei em universidades brasileiras e portuguesas, e atualmente atendo em meu consultório, oferecendo minha vasta experiência em medicina, nutrição e medicina tradicional chinesa aos pacientes.




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