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EXERCÍCIO E EMAGRECIMENTO: O QUE A CIÊNCIA JÁ SABE

  • Foto do escritor: Berenice Cunha Wilke
    Berenice Cunha Wilke
  • 4 de set.
  • 5 min de leitura

Atividade física e obesidade: muito além da conta de calorias

Durante muito tempo acreditamos que manter o peso fosse apenas uma questão matemática: o que comemos menos o que gastamos. Mas a ciência mostra que a realidade é bem mais complexa.


O exemplo da natureza

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Allana Collen, no livro 10% Humano, descreve um fenômeno impressionante da natureza: os pássaros da espécie sylvia borin, que migram da Europa até a África em um percurso de 6.440 km. Antes de partir, eles dobram de peso em poucas semanas — passando de 17g para 37g. Em termos humanos, seria como alguém de 60kg chegar rapidamente a 132kg. E, ao final da migração, emagrecem na mesma velocidade.O mais intrigante é que esses pássaros engordam e emagrecem mesmo quando criados em cativeiro, sem mudanças externas no clima, na dieta ou na quantidade de alimento disponível. Isso revela que existem mecanismos biológicos que regulam o peso além da simples soma entre calorias ingeridas e gastas.


O que dizem os estudos em humanos

A mesma conclusão vem sendo reforçada em pesquisas com diferentes populações. O antropólogo Herman Pontzer, da City University of New York, mostrou que os Hadza, caçadores-coletores da Tanzânia, apesar de caminharem e caçarem todos os dias, queimam praticamente o mesmo número de calorias diárias que pessoas sedentárias no mundo ocidental. O corpo parece realocar energia, gastando menos em outros sistemas (como imunidade ou reprodução) quando a atividade física aumenta.


Resultados semelhantes apareceram em crianças Shuar, na Amazônia equatoriana. Apesar de passarem o dia em atividades físicas intensas, elas não queimam mais calorias do que crianças urbanas mais sedentárias. A grande diferença entre os grupos está na alimentação: enquanto os Shuar vivem de caça, pesca e agricultura de subsistência, as crianças urbanas consomem ultraprocessados e “junk foods”, que favorecem o ganho de peso.


Adaptações metabólicas e compensação energética

O emagrecimento é um processo difícil porque, ao perder peso, o corpo reage tentando recuperar o que foi perdido. Muitos cientistas defendem que isso acontece porque, durante a maior parte da história da humanidade, o desafio era sobreviver à escassez de alimentos, não ao excesso. Assim, quem tinha maior capacidade de preservar peso e energia tinha mais chances de sobreviver.


O exercício, frequentemente apontado como grande aliado do emagrecimento, sofre com essa mesma lógica adaptativa. Ao aumentar o gasto calórico, o corpo ativa mecanismos de compensação, como:

  • Aumento da fome no médio e longo prazo.

  • Redução do metabolismo basal e de gastos em outras funções biológicas.

  • Economia de energia no resto do dia, anulando parte do gasto do treino.


Esse fenômeno foi documentado em estudos com a técnica da água duplamente marcada, padrão-ouro para medir gasto energético de 24 horas. Em média, os indivíduos compensam cerca de 28% das calorias gastas no exercício. Ou seja, quem queimou 300 kcal, no final do dia teve apenas 216 kcal de gasto adicional. Em pessoas com obesidade, essa compensação pode chegar a quase


Ainda não se sabe se essa adaptação é causa do ganho de peso (pessoas com maior compensação tendem a engordar mais) ou consequência dele. Mas o fato é que torna a perda de peso mais difícil em quem já tem obesidade.


Exercício: fundamental, mas não suficiente

Um artigo recente no New York Times, assinado por Gretchen Reynolds, sintetizou novas pesquisas mostrando que nossos corpos compensam parte das calorias gastas no exercício. Essa compensação pode ocorrer pela diminuição do gasto energético em outras funções do corpo ou pelo aumento do apetite.


Em média, para cada 100 calorias queimadas durante um treino, de fato eliminamos apenas cerca de 72. E em pessoas com excesso de peso, essa compensação pode chegar a 50%. Isso explica por que tantas pessoas, mesmo combinando exercícios regulares com dieta, perdem menos peso do que o esperado.


Esse fenômeno já havia sido sugerido em estudos com caçadores-coletores africanos, que mesmo sendo muito ativos queimavam calorias semelhantes a ocidentais sedentários. A ideia é que o gasto energético humano tem limites: quando aumenta de um lado, o corpo reduz em outro, mantendo a balança estável.


Pesquisas em larga escala, reunindo dados de mais de 1.700 adultos com o método da água duplamente rotulada (padrão-ouro para medir gasto energético), confirmaram esse efeito: a maioria das pessoas queima apenas 72% das calorias adicionais do exercício. Além disso, indivíduos com mais gordura corporal tendem a compensar ainda mais.


Embora ainda não se saiba exatamente como isso acontece, os cientistas suspeitam de ajustes inconscientes, como menor atividade do sistema imunológico, redução de pequenos movimentos no dia a dia ou até desaceleração de processos celulares.


O valor real da atividade física

Apesar disso, a ciência não é desanimadora. Mesmo compensando parte das calorias, quem se exercita queima mais do que se estivesse parado. O verdadeiro desafio é que o exercício, realisticamente, queima poucas calorias: meia hora de caminhada pode ser anulada por “meio biscoito ou meia lata de refrigerante”.


Ainda assim, o papel do exercício é indispensável no tratamento da obesidade, não apenas pelo gasto energético, mas porque:

  • Melhora a composição corporal, preservando músculos e reduzindo gordura visceral.

  • Aumenta o gasto energético basal, especialmente com treino de força.

  • Reduz risco de doenças cardiovasculares, diabetes e síndrome metabólica.

  • Melhora saúde mental, humor, sono e qualidade de vida.

  • É decisiva na manutenção do peso perdido, já que pessoas que mantêm o emagrecimento costumam praticar ≥250 minutos de atividade por semana.


Além disso, algumas pessoas relatam melhora significativa inclusive no peso, porque o exercício regula neurotransmissores que aumentam bem-estar e diminuem a fome. Mas esse efeito não ocorre em todos.


Conclusão
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O peso corporal não depende apenas da equação “calorias que entram x calorias que saem”. O corpo humano é um sistema dinâmico, programado para conservar energia e resistir à perda de peso.


Assim, o exercício sozinho não garante emagrecimento, mas é indispensável: melhora saúde física e mental, ajuda a manter resultados e dá suporte a mudanças no estilo de vida. A chave está na alimentação equilibrada, na atividade física regular, em bons hábitos de sono e, quando necessário, em tratamentos médicos e medicamentos modernos que auxiliam na perda e na manutenção do peso.




Sou Dra. Berenice Cunha Wilke, médica formada pela UNIFESP em 1981, com residência em Pediatria na UNICAMP. Obtive mestrado e doutorado em Nutrição Humana na Université de Nancy I, França, e sou especialista em Nutrologia pela Associação Médica Brasileira. Também tenho expertise em Medicina Tradicional Chinesa e uma Certificação Internacional em Endocannabinoid Medicine. Lecionei em universidades brasileiras e portuguesas, e atualmente atendo em meu consultório, oferecendo minha vasta experiência em medicina, nutrição e medicina tradicional chinesa aos pacientes.



Para saber mais:


Am J Hum Biol Sep-Oct 2015;27(5):628-37.


Current Biology, 27 August 2021.

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