MICROBIOMA - APETITE E OBESIDADE
- Berenice Cunha Wilke
- 28 de ago.
- 5 min de leitura
Obesidade, Microbioma e Antibióticos
A obesidade é um dos maiores desafios de saúde pública da atualidade, tanto em adultos quanto em crianças. Durante muito tempo, ela foi explicada apenas pelo excesso de calorias ingeridas e pela falta de atividade física. Hoje, porém, sabemos que existe um terceiro ator fundamental: o microbioma intestinal, o vasto conjunto de bactérias que habita nosso intestino e influencia diretamente nosso metabolismo, comportamento alimentar e risco de desenvolver obesidade.
Microbioma e prazer alimentar
Você já imaginou se parte do prazer que sente ao comer um doce, um lanche ou uma pizza for causado por substâncias químicas produzidas pelo seu próprio microbioma? Muitas bactérias intestinais necessitam dos componentes presentes nesses alimentos para sobreviver. Para garantir que continuemos ingerindo o que elas precisam, produzem moléculas capazes de aumentar nossa felicidade e sensação de recompensa.
Assim, cria-se um ciclo “alimento – prazer”: ao consumir o que alimenta determinadas bactérias, sentimos bem-estar, o que reforça o comportamento de repetição. Isso ajuda a explicar por que tantas pessoas retornam às mesmas confeitarias, supermercados ou restaurantes, guiadas por uma força invisível que não é apenas a vontade própria, mas também a do microbioma.
Esse mecanismo pode contribuir para um ciclo vicioso de desejo alimentar e manutenção da obesidade. Por isso, o tratamento não se limita à restrição calórica: é necessário também modular o microbioma, favorecendo as bactérias associadas a um metabolismo saudável. Alimentos ricos em fibras, kefir, kombucha, vegetais fermentados e, em alguns casos, o uso de probióticos ajudam a restaurar esse equilíbrio.
Experimentos com camundongos: microbiota e peso corporal
Estudos com camundongos fornecem evidências impressionantes sobre o impacto do microbioma na obesidade. Animais estéreis, sem qualquer microbiota, são mantidos em ambientes controlados após nascimento por cesariana. Esses camundongos são naturalmente muito magros, e os pesquisadores atribuíram essa condição à ausência de microrganismos intestinais.
Quando colonizados com microbiota de camundongos normais, esses animais ganharam até 60% de peso em apenas 14 dias, mesmo comendo menos. Isso revelou que os microrganismos aumentam a capacidade de extrair energia de partes indigeríveis da dieta, fornecendo calorias adicionais ao hospedeiro.
A surpresa foi perceber que um aumento aparentemente pequeno na eficiência calórica poderia ter grandes impactos. Em humanos, estima-se que uma microbiota “obesa” possa levar a 2% mais absorção de calorias por refeição. Isso equivale a cerca de 40 calorias extras por dia para uma pessoa que consome 2.000 kcal. Ao longo de dez anos, isso pode resultar em até 19 kg a mais de peso corporal, sem que a pessoa tenha aumentado a ingestão alimentar.
Camundongos geneticamente obesos (ob/ob)
Estudos também mostraram que camundongos geneticamente obesos apresentam uma microbiota distinta: têm menos Bacteroidetes e mais Firmicutes, o mesmo padrão encontrado em humanos obesos.

Quando pesquisadores transferiram a microbiota de camundongos obesos para camundongos livres de germes, esses últimos engordaram rapidamente, mesmo comendo a mesma quantidade de alimento que os colonizados com microbiota de camundongos magros. Esses resultados indicam que as alterações do microbioma estão presentes na obesidade e podem também causar e agravar a obesidade.
Antibióticos e obesidade infantil
Outro fator crucial é o impacto dos antibióticos sobre a microbiota intestinal. Crianças obesas apresentam diferenças marcantes em relação a crianças magras, e muitas dessas alterações surgem antes mesmo do ganho de peso. Estudos mostram que antibióticos, especialmente nos primeiros anos de vida, podem aumentar o risco de obesidade ao reduzir a diversidade bacteriana e favorecer microrganismos ligados ao excesso de peso.
Nos Estados Unidos, estima-se que, até os dois anos de idade, as crianças já tenham recebido, em média, três ciclos de antibióticos — chegando a dez aos dez anos. Além disso, 33 a 39% dos recém-nascidos são expostos a antibióticos durante o parto devido ao uso materno, e cerca de 5% recebem antibióticos já no período neonatal. Essa perturbação precoce da microbiota pode programar a criança para desenvolver sobrepeso e obesidade ao longo da vida.
Antibióticos e obesidade em larga escala
Esse efeito não ocorre apenas em humanos. Desde a década de 1940, descobriu-se que antibióticos aumentavam o crescimento de frangos e suínos, levando ao uso disseminado dessas drogas na agropecuária como “fatores de crescimento”. Nos EUA e no Brasil, grande parte dos antibióticos ainda é destinada à criação animal. Resíduos dessas substâncias chegam até nós pelo consumo de carne e até de vegetais adubados com esterco contaminado.
Essa prática coincidiu, de forma intrigante, com a ascensão da epidemia de obesidade nos Estados Unidos a partir dos anos 1980. As regiões com maior uso de antibióticos na agropecuária foram também as primeiras a registrar aumentos alarmantes da obesidade.
Conclusão
A obesidade não é apenas resultado de comer demais ou se exercitar de menos. É também consequência de uma complexa interação entre microbioma, antibióticos, dieta e ambiente.
Os microrganismos intestinais podem:
aumentar o prazer e o desejo por determinados alimentos;
alterar a quantidade de calorias realmente absorvidas;
ser modificados pelo uso precoce de antibióticos, alterando o risco de obesidade ao longo da vida.

Compreender e modular o microbioma pode abrir novas perspectivas de prevenção e tratamento da obesidade. As estratégias abaixo podem ser aliadas poderosas no combate a essa epidemia global:
Dietas ricas em fibras compostas por frutas, verduras, cereais e grãos integrais,
Alimentos fermentados,
Uso racional de antibióticos,
Prebióticos, probióticos e pósbióticos
Sou Dra. Berenice Cunha Wilke, médica formada pela UNIFESP em 1981, com residência em Pediatria na UNICAMP. Obtive mestrado e doutorado em Nutrição Humana na Université de Nancy I, França, e sou especialista em Nutrologia pela Associação Médica Brasileira. Também tenho expertise em Medicina Tradicional Chinesa e uma Certificação Internacional em Endocannabinoid Medicine. Lecionei em universidades brasileiras e portuguesas, e atualmente atendo em meu consultório, oferecendo minha vasta experiência em medicina, nutrição e medicina tradicional chinesa aos pacientes.
Para saber mais:
Peter J. Turnbaugh.
Cell Host Microbe. 2017 Mar 8; 21(3): 278–281.
Obesity alters gut microbial ecology. Ruth E Ley et all.
Proc Natl Acad Sci EUA; 2005; 102 (31): 11070-5.
Frango sem antibióticos:
Korin (dispõem de uma linha de frango e carne de vaca sem antibióticos)
Sadia
Carta Insumos - Antibióticos na produção animal: Restrições à vista?
Maruvada P, Leone V, Kaplan LM, Chang EB.
Cell Host Microbe. 2017 Nov 8;22(5):589-599.
Leong KSW, Derraik JGB, Hofman PL, Cutfield WS.
Clin Endocrinol (Oxf). 2018 Feb;88(2):185-200.
Rev Gastroenterol Hepatol. 2019 Jan;13(1):3-15.
Turta O, Rautava S.
BMC Med. 2016 19 de abril; 14: 57.
Neuman H, Forsythe P, Uzan A, Avni O, Koren O.FEMS Microbiol Rev. 2018 1 de julho; 42 (4): 489-499.
Zhang M, Differding MK, Benjamin-Neelon SE, Østbye T, Hoyo C, Mueller NT.Ann Clin Microbiol Antimicrob. 2019 21 de junho; 18 (1): 18.






Comentários